Boletim de Direito do Consumidor | Edição 1 - 2024

Publicado em 31 de Janeiro de 2024 em Boletins

"Em fevereiro, tem carnaval", mas também tem o fim dos recessos instituídos pelo Poder Judiciário e pelo Poder Legislativo. Com isso, as pautas jurídicas voltam a se aquecer e as expectativas são de que 2024 seja um ano de importantes movimentos para os Direitos das Relações de Consumo.

 

Nessa edição de nosso Boletim de Direito do Consumidor, apresentaremos alguns dos principais assuntos que devem integrar as pautas das autoridades judiciais, legislativas e administrativas de consumo.

 

O impacto da pauta do ano judiciário para as relações de consumo

 

Em 1º de fevereiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciará o ano judiciário de 2024 com sessão da Corte Especial. Neste ano, em razão das Metas Nacionais do Poder Judiciário, definidas pelo Conselho Nacional de Justiça, a expectativa é que o STJ julgue processos que estejam há mais tempo em seu acervo, bem como que priorize o julgamento de ações coletivas e de recursos repetitivos.

 

À luz dessas metas, processos emblemáticos envolvendo questões relacionadas às relações de consumo podem ter desdobramentos relevantes ainda em 2024. Confira abaixo alguns dos temas que podem ser apreciados ao longo desse ano:

 

  • Tema 929/STJ:

 

No bojo dos Recursos Especiais (REsp) nos 1.963.770/CE, 1.517.888/RN e 1.823.218/AC, afetados entre 2015 e 2021, o Superior Tribunal de Justiça discutirá as hipóteses de aplicação da repetição em dobro, prevista pelo artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, tema recorrentemente controvertido nos Tribunais do país.

 

Há grande mobilização em torno de referido julgamento dado o elevado número de processos atualmente sobrestados até a definição sobre a matéria, bem como os potenciais e relevantes impactos financeiros que a decisão pode trazer às partes demandantes.

 

Vale recordar que, em 2020, a Corte Especial julgou conjuntamente uma série de recursos que versavam sobre a temática. Naquela oportunidade, decidiu-se por maioria de votos que a devolução em dobro dos valores não depende da comprovação de que o fornecedor tenha agido de má-fé e tem cabimento sempre que a cobrança indevida configure ato contrário à boa-fé objetiva. Também nesse julgamento, a Corte Especial fixou o entendimento de que o prazo prescricional referente à repetição de indébito em dobro é, em regra, de 10 anos.

 

Há expectativa de que esse entendimento seja replicado pela Corte Especial quando do julgamento do Tema 929/STJ.

 

  • Tema 1.198/STJ:

 

O REsp nº 2.021.665/MS foi afetado em maio de 2023 para que o Superior Tribunal de Justiça defina se o juiz, ao vislumbrar a ocorrência de litigância predatória, deve exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo.

 

Nos últimos anos, a advocacia predatória vem sendo duramente impugnada por magistrados do país, o que, entretanto, não tem sido suficiente para estancar a sua ocorrência, pulverizada, sobretudo, em litígios de consumo. Apenas no estado de São Paulo, o Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas (Numopede), ligado à Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, estimou que, entre os anos de 2016 e 2021, a advocacia predatória gerou cerca de 330 mil processos, com impacto financeiro de aproximadamente R$ 2,7 bilhões por ano, além dos custos indiretos gerados para as partes.

 

Diante de tais dados, é certo que a afetação do Tema representa importante passo ao combate da advocacia predatória, medida que litiga em desfavor de todos os sujeitos envolvidos no processo.

 

  • Tema 1.203/STJ

 

No âmbito dos Recursos Especiais nos 2.050.751/RJ, 2.037.787/RJ, 2.007.865/SP e 2.037.317/RJ, afetados em junho de 2023, caberá ao Superior Tribunal de Justiça definir se a oferta de seguro-garantia ou de fiança bancária tem o condão de suspender a exigibilidade de crédito não tributário.

 

Tal tema, quando julgado, poderá trazer significativo impacto a demandas de diversas naturezas, incluindo ações anulatórias de multas administrativas aplicadas por autoridades de consumo, as quais são comumente garantidas por seguro garantia ou fiança bancária.

 

  • Tema 1.177/STJ

No bojo dos Recursos Especiais nos 1.981.398/RS e 1.991.439/SC, afetados em dezembro de 2022, o STJ definirá se é possível ou não a condenação da União ao pagamento de honorários de sucumbência em sede de Ação Civil Pública (ACP).

 

Atualmente, vige o entendimento de que, salvo em casos de atuação maliciosa, a União e os demais legitimados à propositura de ações coletivos são isentos do recolhimento de custas e pagamento de honorários advocatícios, medida que acaba por incentivar a propositura de um número elevado de ações de natureza coletiva.

 

Cumpre destacar que, recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento de Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.283.040, decidiu pela responsabilização do Ministério Público pelo pagamento de honorários periciais, como forma de melhor calibrar a atuação dos polos na seara coletiva.

 

A pauta das políticas públicas de consumo para 2024

 

Em âmbito administrativo, a expectativa é de que 2024 também traga relevantes movimentações relacionadas às políticas de consumo. Confira abaixo alguns dos temas em pauta de discussão:

 

  • Tratamento do superendividamento do consumidor

 

O superendividamento continua a ser um tema prioritário para as autoridades de consumo. Em janeiro de 2024, atendendo à iniciativa da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), o Ministério da Justiça e Segurança Pública criou o Grupo de Trabalho para Prevenção e Tratamento do Superendividamento de Consumidores. O grupo tem o objetivo de formular ações e políticas públicas para o enfrentamento do superendividamento do consumidor. As primeiras propostas devem ser apresentadas ainda no primeiro trimestre desse ano.

 

Também por intermédio da Senacon, os Núcleos de Atendimento aos Superendividados (NAS) devem ter sua atuação ampliada em 2024. Mediante edital de chamada pública veiculado em 2023, mais de 50 entidades foram aprovadas para recebimento de verbas advindas do Fundo de Defesa de Direitos Difusos e Coletivos para aperfeiçoamento dos NAS em todo o país.

 

Por fim, em 2024 também deve se intensificar a implementação do projeto piloto criado pela Senacon em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul para auxílio aos consumidores superendividados, vítimas de desastres ambientais. O foco do projeto é a concessão de condições especiais de renegociação de débitos aos consumidores afetados pelas crises advindas de referidos acidentes.

 

  • Ações para redução do número de reclamações nos setores mais acionados

 

Em dezembro de 2023, a Senacon anunciou a criação de Comitê Técnico para atuação em temas relacionados ao setor aéreo. O objetivo do Comitê, que contará com a participação de representantes das companhias aéreas e da Agência Nacional de Aviação Civil, é identificar e implementar projetos de melhoria no atendimento dos consumidores do setor, a fim de, com isso, reduzir o número de reclamações formuladas.

 

A expectativa é de que ações similares sejam adotadas pela Senacon em relação a outros setores com altos índices de acionamento pelos consumidores.

 

Em 2023, a Senacon registrou 1,3 milhões de reclamações, das quais mais de 77% foram solucionadas pelos fornecedores. Levantamentos históricos indicam que, além das companhias aéreas, entre os mais acionados destacam-se também os setores de financeiros e de telecomunicações.

 

  • Proteção do consumidor de produtos de saúde no comércio eletrônico

 

A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad), a Secretaria de Direitos Digitais (SDD) e o Ministério da Saúde firmaram parceria com o Laboratório de Operações Cibernéticas (Ciberlab) para mapear o anúncio e a comercialização eletrônica de drogas sintéticas de elevado potencial de danos.

 

O mapeamento é um primeiro passo na identificação dos envolvidos na disseminação de conteúdos e anúncios relacionados à comercialização de drogas sintéticas, o que poderá desencadear, em um segundo momento, ações combativas por parte das autoridades sanitárias e de consumo a respeito da questão.

 

A ação está em linha com outras preocupações recentes manifestadas pelas autoridades no tocante à segurança do consumo de produtos relacionados à saúde em ambiente digital. Em novembro de 2023, o Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP) e a Senacon encaminharam ofícios às plataformas digitais exigindo a fiscalização dos registros sanitários dos produtos anunciados e veiculados na internet.

Publicação produzida pela(s) área(s) Direito do Consumidor