Medida Provisória nº 1.171/2023 - A nova tentativa de tributação dos lucros de offshore companies detidas por pessoas físicas

Publicado em 02 de Maio de 2023 em Boletins

De maneira surpreendente, o Governo Federal publicou, no dia 30/04/2023, a Medida Provisória (MP) nº 1.171/2023 que, juntamente com a alteração das faixas da tabela de imposto de renda da pessoa física, tenta instituir, pela quarta vez, a tributação automática da renda auferida por pessoas físicas residentes no País em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior.

 

Após duas tentativas frustradas – a Medida Provisória nº 627/2012 e o Projeto de Lei nº 2.337/2021 – e uma tentativa ainda em discussão no Congresso Nacional (Projeto de Lei nº 3.489/2021), o Governo Federal apresentou nova proposta para tributação desses rendimentos dentro do conceito das regras internacionais de Controlled Foreign Corporation (ou simplesmente regras CFC).

 

Diferentemente das medidas anteriores, que previam a tributação dos rendimentos pelo carnê-leão, a MP nº 1.171/2023 determina que a renda auferida por pessoas físicas em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior deverá ser controlada e tributada como rendimentos em separado na declaração de IRPF, sujeita às seguintes alíquotas exclusivas: (i) isentos para a parcela anual dos rendimentos que não ultrapassar R$ 6.000,00; (ii) 15% sobre a parcela anual dos rendimentos que exceder R$ 6.000,00 e não ultrapassar R$ 50.000,00; e (iii) 22,5% sobre a parcela anual dos rendimentos que ultrapassar R$ 50.000,00.

 

A regra seria aplicável a partir de 1º de janeiro de 2024 e alcançaria os investimentos em controladas sediadas em países com tributação favorecida ou regimes fiscais privilegiados, previstos na lista publicada e atualizada frequentemente pela Receita Federal do Brasil (RFB), na Instrução Normativa nº 1.037/2010.

 

Trata-se aqui de uma primeira crítica ao texto proposto pela MP, pois, apesar de listadas pela RFB, certas empresas em regimes fiscais privilegiados tributam a renda passiva em alíquotas elevadas, como é o caso da Holanda e da Áustria, entre outros. Ao adotar conceito totalmente formal, sem tomar em conta as particularidades da listagem de cada uma dessas entidades, a MP incorre em desvio de seu caráter supostamente antielisivo.

 

Além da aplicação às rendas auferidas através de empresas nas citadas jurisdições, a MP nº 1.171/2023 também prevê a tributação dos rendimentos auferidos através de empresa controlada que, ainda que não sediada em jurisdições de tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado, aufira renda ativa inferior a 80% da renda total da empresa.

 

Trata-se aqui de uma tentativa de criação de regra antielisiva, presente em diversas jurisdições, que presume a transferência de lucros da pessoa física para a empresa controlada quando a renda passiva (i.e., a renda decorrente de juros, royalties, dividendos, aluguéis, ganhos de capital, entre outros) é substancialmente superior aos rendimentos ativos, decorrentes da atividade da empresa.

 

A crítica à MP, aqui, é que pouco importaria a alíquota efetiva em que os rendimentos são tributados pelo imposto de renda nessas pessoas jurídicas controladas, sendo presumida a transferência de lucros pela mera alocação de renda passiva. Mais uma vez, a MP coloca a pessoa física em situação em que os rendimentos podem ser automaticamente tributados no Brasil, mesmo que a intenção do contribuinte não seja a transferência de lucros para o exterior.

 

Tampouco há qualquer tratamento específico às estruturas que, mesmo localizadas em paraísos fiscais, foram implementadas por necessidade empresarial e têm propósito negocial, como, por exemplo, as estruturas de “flipagem” de investimento de empresas, em que fundadores transferem as cotas de sociedades brasileiras para o exterior, com a finalidade de torná-las mais atrativas para fins de captação de investimento.

 

A MP prevê a aplicação da regra às sociedades controladas e às demais entidades, personificadas ou não, incluindo fundos de investimento e fundações, em que a pessoa física: (i) detiver, de forma direta ou indireta, isoladamente ou em conjunto com outras partes, inclusive em função da existência de acordos de votos, direitos que lhe assegurem preponderância nas deliberações sociais ou poder de eleger ou destituir a maioria dos seus administradores; ou (ii) possuir, direta ou indiretamente, isoladamente ou em conjunto com pessoas vinculadas, mais de 50% (cinquenta por cento) de participação no capital social, ou equivalente, ou nos direitos à percepção de seus lucros, ou ao recebimento de seus ativos na hipótese de sua liquidação.

 

A MP também inclui, portanto, as chamadas regras antifragmentação, normas em que a participação detida por pessoas vinculadas é analisada em conjunto com a detida pela pessoa física, para configuração da relação de controle, mencionada acima.

 

Considera-se, para fins de aplicação das regras antifragmentação, como pessoa vinculada: (i) a pessoa física que for cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, até o terceiro grau, da pessoa física residente no País; (ii) a pessoa jurídica cujos diretores ou administradores forem cônjuges, companheiros ou parentes, consanguíneos ou afins, até o terceiro grau, da pessoa física residente no País; (iii) a pessoa jurídica da qual a pessoa física residente no País for sócia, titular ou cotista; ou (iv) a pessoa física que for sócia da pessoa jurídica da qual a pessoa física residente no País seja sócia, titular ou cotista.

 

Os lucros apurados em balanço serão considerados como disponibilizados em 31/12 do ano-calendário, e computados na Declaração de Ajuste Anual (DAA) do ano em que forem apurados no balanço. Do ponto de vista prático, o lucro será computado como custo de aquisição do investimento, e não será tributado novamente no momento da disponibilização.

 

Permanecerão tributados no momento da disponibilização dos rendimentos os investimentos em pessoas jurídicas controladas, desde que não sediadas em paraísos fiscais, ou que aufiram renda ativa em montante superior a 80%.

 

A MP também aponta que os lucros auferidos por controladas até 31/12/2023, enquadradas ou não nas regras CFC previstas nessa MP, também serão tributados no momento da disponibilização. O texto não deixa claro como o controle desses lucros será feito na DAA, mas trata-se de um avanço, considerando que projetos anteriores tentaram a tributação do estoque desses lucros, o que afrontaria o princípio constitucional da renda e da irretroatividade da lei tributária.

 

Prevê, ainda, uma oportunidade de reavaliação do custo de aquisição de ativos no exterior, tais como aplicações financeiras, imóveis, veículos, aeronaves e participações em controladas. Para tanto, o contribuinte anteciparia a tributação dos rendimentos de acordo com o valor de mercado em 31/12/2022, tributando a reavaliação à alíquota diferenciada de 10%. Trata-se de regra que pode ser utilizada como potencial estratégia de planejamento tributário, especialmente nas hipóteses em que se vislumbra a liquidação do ativo a curto prazo.

 

O novo texto legal também dedica todo um capítulo específico sobre a tributação de trusts em nível federal. Alinhada com os conceitos trazidos pelo Projeto de Lei Complementar nº 145/2023, que visa regulamentar o trust no Brasil, a MP nº 1.171/2023 determina que bens e direitos objeto de trust no exterior devem ser tratados sob titularidade do instituidor (settlor) após a instituição, passando à titularidade do beneficiário no momento da distribuição ou falecimento do instituidor.

 

Os rendimentos auferidos pelos trusts seriam então considerados como auferidos diretamente pelo titular (instituidor ou beneficiário), conforme o caso. Para o trust que detém controladas no exterior, a tributação será conforme as regras de CFC, nos moldes previstos para as controladas no exterior.

 

Por fim, é importante destacar que a MP revoga o artigo 24, § 6º, I, da MP nº 2.158-35/2001, que autoriza o direito à primeira alienação isenta, de ativos adquiridos na condição de não residente.

 

Vale destacar que, apesar de possuir força de lei, a Medida Provisória não é automaticamente aplicável, e depende de conversão em lei dentro de seu prazo regimental – 60 dias, prorrogados por mais 60 dias – para que produza efeitos na ordem tributária a partir de 1º/01/2024, observando assim o princípio da anterioridade da lei tributária. Logo, ainda que a MP seja aprovada, haveria tempo para os contribuintes eventualmente reorganizarem suas estruturas com o intuito de mitigar a aplicação da referida regra.

Publicação produzida pela(s) área(s) Tributário