Medida Provisória 1.184/2023 - Alterações nas regras de tributação de fundos fechados, FIP, FIA e ETF

Publicado em 29 de Agosto de 2023 em Boletins

Conforme amplamente divulgado pelo Governo Federal, foi publicada, em edição extra do DOU de 28 de junho de 2023, a Medida Provisória nº 1.184/2023, que introduz relevantes alterações nas regras de tributação de fundos de investimento, especialmente fundos fechados.

 

Preparamos este informativo com o intuito de resumir as alterações, bem como para apresentar uma visão crítica do projeto.

 

·        Tributação periódica de IRRF (“come-cotas”) de fundos fechados e complementação do imposto no resgate ou amortização

 

Conforme noticiado, a principal alteração da MP nº 1.184/2023 consiste na criação de regras de tributação periódica de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre os ganhos obtidos nos fundos de investimento fechados, similarmente ao que ocorre com os fundos de investimento abertos. Segundo informações do próprio Governo, a ideia com a medida é alcançar os fundos fechados utilizados em estruturas de fundos exclusivos.

 

Diferentemente da legislação atual, em que o recolhimento do tributo é diferido para o momento do resgate dos rendimentos apurados pelo fundo, o texto da Medida Provisória prevê, a partir de 2024, a cobrança de IRRF sobre os rendimentos desses fundos duas vezes ao ano (“come-cotas”): no último dia útil dos meses de maio e novembro ou na data da distribuição de rendimentos, amortização, resgate ou alienação de cotas, caso ocorra antes.

 

Como regra geral, a alíquota do IRRF será de 15% na data do come-cotas. Além disso, a MP prevê uma cobrança complementar de até 7,5% por ocasião da distribuição dos rendimentos ou da amortização, resgate ou alienação das cotas, de modo que o IRRF totalize: (i) 22,5%, em aplicações com prazo de até 180 dias; (ii) 20%, para as aplicações com prazo de 181 até 360 dias; e (iii) 17,5%, para as aplicações com prazo de 361 a 720 dias. Essa cobrança adicional não se aplicará caso o prazo das aplicações seja superior a 720 dias, em que a alíquota final será de 15%.

 

Já para os fundos de curto prazo, cuja carteira tenha prazo médio ou inferior a 365 dias, a alíquota do come-cotas será de 20%. Caso haja resgate de aplicação com prazo inferior a 180 dias, haverá cobrança adicional de IRRF de 2,5%.

 

A MP também determina que as perdas apuradas no momento da amortização, do resgate ou da alienação de cotas poderão ser compensadas, exclusivamente, com ganhos apurados no mesmo fundo de investimento ou em outro fundo administrado pela mesma pessoa jurídica, desde que sujeito ao mesmo regime de tributação.

 

Além disso, embora as novas regras somente entrem em vigor em 2024, a MP nº 1.184/2023 prevê a incidência de IRRF sobre o estoque dos rendimentos que não estavam sujeitos à tributação periódica a uma alíquota fixa de 15%, a ser calculada sobre o valor acumulado até 31 de dezembro de 2023. O imposto poderá ser pago à vista pelo administrador até 31 de maio de 2024 ou parcelado em 24 parcelas, com primeiro vencimento nesta mesma data.

 

Alternativamente, foi criado regime específico para beneficiários qualificados como pessoas físicas residentes no Brasil, que poderão optar por pagar o IRRF sobre o estoque de rendimentos à alíquota de 10%, em duas etapas. A primeira deverá ser calculada sobre os rendimentos calculados até 30 de junho de 2023 e paga em quatro parcelas com vencimentos entre 29 de dezembro de 2023 e 29 de março de 2024. Já a segunda etapa consistirá no pagamento à vista do IRRF calculado sobre os rendimentos apurados entre 1º de julho e 31 de dezembro de 2023, no mesmo prazo de vencimento do IRRF devido na tributação periódica relativa ao mês de maio de 2024.

 

A tributação do estoque não se aplicará aos fundos de investimento que, em 28/08/2023, prevejam expressamente em seu regulamento a sua extinção e liquidação improrrogável até 30 de novembro de 2024.

 

A despeito da previsão legal, é importante destacar que, independentemente da modalidade, a tributação do estoque é medida polêmica que, em nossa opinião, fere de maneira direta o princípio constitucional da irretroatividade da lei tributária, o que poderá levar os contribuintes prejudicados a questionar judicialmente a medida em caso de aprovação.

 

Vale lembrar que não se trata da primeira tentativa de alcançar resultados do passado apurados pelos fundos exclusivos. Na MP nº 806/2017, na qual medida semelhante foi discutida, o deputado relator da MP acabou decidindo pela exclusão do dispositivo referente à tributação de estoque, o que resultou na perda do interesse arrecadatório na medida, que consequentemente terminou não sendo convertida em lei.

 

Lembramos que a tributação do estoque de investimento consiste em situação similar à tentativa de tributação de lucros auferidos no exterior no período anterior a 2001, prevista no art. 74, parágrafo único, da MP nº 2.158-35/2001. Com base no princípio da irretroatividade da lei tributária, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a mencionada regra inconstitucional, tanto na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.588, quanto no Recurso Extraordinário 541.090.

 

·        FIPs, FIAs e ETFs

 

Já os Fundos de Investimento em Participações (FIP), Fundos de Investimento em Ações (FIA) e Fundos de Investimento em Índice de Mercado (ETF), com exceção dos ETFs de Renda Fixa, ficaram de fora da tributação periódica. Nesses casos, a MP prevê a incidência do IRRF de 15% apenas na data da distribuição de rendimentos, amortização, resgate ou alienação de cotas.

 

Para fazer jus a este regime específico, os referidos fundos precisarão ser enquadrados como entidades de investimento, ou seja, necessitam ter estruturas de gestão profissional, no nível do fundo ou de seus cotistas quando organizados como fundos ou veículos de investimentos, no Brasil ou no exterior, representada por agentes ou prestadores de serviços com poderes para tomar decisões de investimento e desinvestimento de forma discricionária, com o propósito de obter retorno por meio de apreciação do capital investido, renda ou ambos, na forma a ser regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

 

Para os FIPs serem classificados como entidades de investimento, a legislação fiscal remete à regulamentação da CVM, especificamente a Instrução CVM nº 579/2016, para atendimento dos requisitos de alocação, enquadramento e reenquadramento de carteira.

 

Já em relação aos FIAs, a regra de caracterização permanece sendo a existência de carteira composta por, no mínimo, 67% de ações ou de ativos equiparados. Para os ETFs, o requisito é a alocação, enquadramento e reenquadramento de carteira previstos na regulamentação da CVM e possuírem cotas efetivamente negociadas em bolsa de valores ou mercado de balcão organizado, com exceção dos ETFs de Renda Fixa.

 

Os fundos de investimento em cotas de FIP, FIA e ETF estarão sujeitos às mesmas regras de tributação destes últimos, desde que mais de 95% de sua carteira seja composta por estes ativos.

 

Os FIPs, FIAs e ETFs que estiverem desenquadrados de acordo com as regras acima ficarão sujeitos ao IRRF no regime come-cotas, limitado à alíquota de 15%. Trata-se de diferença conceitual relevante, quando comparamos esta tentativa à MP nº 806/2017, já que esta última determinava, por exemplo, que FIPs desenquadrados passariam a ser tributados como pessoas jurídicas.

 

Por fim, a MP também determina que, para os fundos desenquadrados, não serão computadas no cálculo do come-cotas as contrapartidas decorrentes da avaliação de empresas pela equivalência patrimonial, desde que evidenciada em subconta específica. Trata-se de importante medida para que os fundos de natureza patrimonial sejam tributados apenas quando da realização dos investimentos, o que se justifica pela natureza ilíquida da carteira. 

 

·        Regras específicas

 

A nova disciplina não afetará os seguintes fundos de investimento: Fundos de Investimento Imobiliário (FII), Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em fundos de investimento em títulos públicos de que trata o art. 1º da Lei nº 11.312/2006, investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em FIPs e Fundos de Investimento em Empresas Emergentes (FIEE) de que trata o art. 3º da Lei nº 11.312/2006, Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE), Fundos de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I), fundos de investimento de que trata a Lei nº 12.431/2011, fundos de investimento com cotistas exclusivamente residentes ou domiciliados no exterior, nos termos do disposto no art. 97 da Lei nº 12.973/2014, e ETFs de Renda Fixa.

 

Ademais, importante destacar também as seguintes alterações:

 

·        Usufruto de quotas de fundos: a MP deixa claro que a tributação deve seguir a natureza do beneficiário do rendimento (e não o nu-proprietário);

 

·        Classes de cotas em fundos: na hipótese de o fundo prever classes distintas de cotas, cada classe será tratada como um fundo de investimento isolado;

 

·        Reorganizações de fundos: a MP considera que as fusões, cisões, incorporações ou transformações passam a ser tratadas como eventos tributáveis a partir de janeiro/2024, exceção feita aos fundos qualificados como entidades de investimento. A MP também prevê regra de neutralidade tributária para adequação às novas regras, desde que os fundos não estejam atualmente sob o regime de come-cotas e desde que as alíquotas do fundo migrado sejam iguais ou superiores à alíquota atual.

 

·        Isenção de FII e Fiagro: o requisito para isenção de fundos pulverizados passa a ser a existência de mais de 500 cotistas, em substituição à regra atual de 50 cotistas.

 

Por fim, vale lembrar que, em se tratando de MP, essas regras devem ser convertidas em lei pelo Congresso Nacional em até 120 dias, caso contrário perderão eficácia.

 

 

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