Como o poder público e os bancos utilizam a lei do superendividamento?

Publicado em 07 de Janeiro de 2022 em Artigos

Este artigo sobre a utilização da Lei do Superendividamento foi publicado no portal Consumidor Moderno. Escrito por Bruna Borghi e Luciana Bazan, sócias de TozziniFreire nas áreas de Contencioso e Direito do Consumidor, o texto traz a expectativa para 2022 no que se refere a nova regulamentação. Também aborda sobre a uniformização dos critérios para os PROCONs e quais os anseios do setor empresarial e financeiro.

 

Em vigor há cinco meses, a Lei do Superendividamento (nº 14.181/2021) trouxe novas regras para a proteção da saúde financeira do consumidor. Ela visa combater o crescente endividamento da população e atender o anseio do mercado pelo crescimento da economia do país.

 

Nesse período, a expectativa ainda não se concretizou. Levantamentos mais recentes da Serasa demonstram que a inadimplência bateu recorde no Brasil, com 75% das famílias brasileiras endividadas. Além disso, dados oficiais apontam a recessão econômica do país, a projeção da inflação em alta e os juros básicos em crescente elevação.

 

Nem mesmo a tão esperada Black Friday aqueceu o mercado em 2021. Pela média dos dados obtidos pelas consultorias Neotrust e NielsenIQ/Ebit, houve uma queda de aproximadamente 4,75% no faturamento das empresas em comparação com 2020.

 

As expectativas para as compras de Natal também não animaram. A Confederação Nacional do Comércio previu, com o desconto da inflação, queda de 2,6% em relação ao ano retrasado.

 

Regulamentação da Lei do Superendividamento

Como visto, a promessa de regularização da situação de superendividamento trazida pela Lei ainda está em peregrinação. Para 2023, a expectativa é de que, a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) conclua a regulamentação do chamado “mínimo existencial”. Esse conceito foi trazido pela Lei do Superendividamento e correspondente à parcela da renda do consumidor.

 

Pelo entendimento, essa parcela deve ser conservada para a manutenção das despesas básicas da pessoa. Dessa forma, o consumidor possuirá uma vida digna, independentemente da quantidade de dívidas assumidas.

 

Acreditamos que, com a regulamentação da SENACON sobre o mínimo existencial, haverá maior segurança, uniformidade e celeridade na aplicação da Lei. Bem como, um fomento dos procedimentos extrajudiciais e judiciais para revisão das dívidas.

 

Espera-se que os PROCONs estaduais e municipais passem a utilizar o regramento da SENACON. Para, assim, dar início ao procedimento de renegociação extrajudicial de dívidas de consumidores.

 

PROCONs: critérios diferentes para o mínimo existencial

Trata-se de uniformização importante para maior segurança jurídica. Isso porque os PROCONs vêm estabelecendo critérios próprios para a definição do “mínimo existencial”, muitas vezes distintos entre si.

 

Atualmente, os PROCONs de Maranhão, Goiás e Alagoas entendem que as dívidas de consumo podem chegar a 35 a 40% da remuneração mensal do consumidor a fim de preservar o mínimo existencial. Já o PROCON do Amapá, adotando uma postura mais protetiva, alçou esse percentual a 30% dos rendimentos líquidos do consumidor. De forma mais conservadora, o PROCON do Mato Grosso do Sul atenderá consumidores que comprovem o comprometimento de 50% ou mais de sua renda.

 

No Poder Judiciário, a Lei vem sendo empregada pontualmente para aplicar o dever de informação e transparência na oferta de crédito previsto no art. 54-B. Com a regulamentação, haverá mais balizas e diretrizes para instaurar o processo judicial para repactuar dívidas introduzido pelo art. 104-B da Lei, procedimento que encontrou pouca aderência entre os magistrados até o momento.

 

FEBRABAN

Não fosse o bastante, a regulamentação da SENACON atenderá também aos anseios do setor empresarial e financeiro, que luta pela retomada econômica do país. A Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) defende que, para mitigar os impactos na oferta de crédito e os riscos de exclusão do consumidor mais vulnerável, a regulamentação do “mínimo existencial” deve ocorrer o mais breve possível. Além de ser pautada em critérios objetivos e claros, garantindo previsibilidade e segurança jurídica, evitando a retirada de crédito do mercado.

 

O legado deixado para 2022 possui dois lados: um país sufocado pelo superendividamento do consumidor; e uma legislação que aponta as diretrizes para sua salvação. Em meio a esse cenário, a regulamentação do mínimo existencial trará novos contornos à discussão.

 

A expectativa que circunda a aplicação da Lei do Superendividamento, contudo, não se limita à regulamentação do mínimo existencial. Esse será somente o ponto de partida para outras discussões necessárias. Principalmente quanto ao que se trata da operacionalização do processo judicial por superendividamento pelos órgãos do Poder Judiciário.

 

Essa é uma questão sensível para o Brasil, país que sofre há anos com uma avalanche de processos judiciais. Em 2020 foram mais de 1,6 milhão de ações de consumo em trâmite na justiça estadual, de acordo com o relatório Justiça em Números 2021.

 

Diálogos, renegociações e repactuações serão palavras de ordem para o ano que se aproxima. Além do mais, demandarão esforços conjuntos de toda a sociedade para que o consumo no Brasil possa recuperar seu fôlego. E, dessa forma, se reerguer e vencer os desafios deixados por 2021.

 

 

Artigo inicialmente publicado no portal Consumidor Moderno no dia 7 de janeiro de 2022.

Publicação produzida pela(s) área(s) Contencioso, Direito do Consumidor