Medidas de Recuperação Fiscal – Governo Federal anuncia seu pacote de ajustes, com reflexos tributários relevantes
Na última quinta-feira (12/01), o Ministro da Fazenda, e a equipe econômica do Governo Federal anunciaram um pacote de medidas com o intuito de aumentar a arrecadação e, por consequência, diminuir o déficit fiscal, estimado em R$ 231,6 bilhões para 2023.
Segundo cálculos da equipe econômica, as medidas teriam impacto positivo de até R$ 242,7 bilhões nas contas públicas, o que equivaleria a 2,26 do Produto Interno Bruto (PIB) para o exercício. O objetivo final, com os referidos ajustes, seria alcançar um cenário de superavit primário para 2023, no montante de R$ 11,1 bilhões.
Além de trazer a majoração de tributos em casos específicos, seja através da mudança de alíquotas ou vedação de créditos, o pacote de ajustes também contempla alterações em regras referentes ao processo administrativo federal cuja ideia, em teoria, é aliviar o estoque de contencioso tributário, estimado em mais de R$ 1 trilhão. Ademais, o pacote de medidas também objetiva criar oportunidade para regularização fiscal, através do programa “Litígio Zero”.
A equipe tributária de TozziniFreire Advogados destaca, abaixo, as principais medidas do pacote anunciado:
I. Reintrodução do Voto de Qualidade no CARF e outras alterações no processo administrativo tributário
Entre as medidas mais polêmicas destaca-se a constante da Medida Provisória nº 1.160/2023, que reintroduz o voto de qualidade nos julgamentos realizados no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”)., Por essa sistemática, sempre que um julgamento terminar empatado, o Presidente dos órgãos colegiados (cargo sempre exercido por representantes da Fazenda Nacional) tem a prerrogativa de proferir o voto de desempate.
O voto de qualidade havia sido extinto em 2020, com a publicação da Lei nº 13.988/2020. Esta medida vinha sendo elogiada pelos contribuintes, já que prestigiou o princípio do in dubio pro contribuinte e permitiu a mudança de posicionamentos históricos do CARF que se sustentavam apenas e tão-somente na existência da aludida regra de desempate.
A despeito da aplicação imediata da nova regra, o fato de sua introdução no ordenamento jurídico ter ocorrido por meio de Medida Provisória ainda não a torna definitiva. A Constituição Federal prevê prazo de 60 dias, prorrogável por igual período, para a conversão das Medidas Provisórias em Lei. Passado esse período sem que tal formalidade seja cumprida, a Medida Provisória perderá sua eficácia.
Além da retomada do voto de qualidade, outras alterações no processo administrativo tributário devem ser destacadas, por impactarem diretamente nas demandas em curso:
- Fim do recurso de ofício para discussões inferiores a R$15 milhões. O litígio será encerrado na primeira instância administrativa em caso de vitória do contribuinte. Antes dessa previsão, o e de alçada era de R$2.500.000,00. Segundo o Governo Federal, essa medida implicará na extinção automática de quase mil processos, cuja monta é de aproximados R$6 bilhões;
- Aumento da alçada para acesso ao CARF. Processos abaixo de mil salários-mínimos serão julgados e encerrados definitivamente nas delegacias de julgamento. Até essa modificação, o corte era de 60 salários mínimos. O Ministério da Fazenda estimou uma redução de mais de 70 dos processos que sobem ao CARF;
II. Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal
Já apelidado como “Litígio Zero”, o programa do Governo Federal propõe uma nova modalidade de transação tributária, regulamentada pela Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 1/2023. Abaixo listamos os principais pontos deste programa:
- Prazo de Adesão: de 01/02/2023 a 31/03/2023
- Prazo de Pagamento: até 12 meses
- Valor Mínimo da Parcela: R$ 100,00 (pessoa física), R$ 300,00 (micro e pequena empresa) e R$ 500,00 (pessoa jurídica)
- Débitos abrangidos: débitos do contencioso administrativo tributário (DRJ ou DARF) e pequenos débitos inscritos em dívida ativa
- Reduções/Descontos:
- Pessoas físicas, micro e pequenas empresas - desconto de até 50 sobre o valor total do débito. Os débitos não devem ultrapassar 60 salários mínimos;
- Para pessoas jurídicas (com débitos superiores a 60 salários mínimos) - desconto de até 100 sobre o valor de juros e multas. Neste caso, ainda há possibilidade de utilizar prejuízos fiscais e base de cálculo negativa para pagamento de valor entre 52 a 70 do débito.
Da Utilização de Prejuízo Fiscal e da Base de Cálculo Negativa de CSLL: o Programa “Litígio Zero” autoriza a utilização de prejuízo fiscal e de base negativa de CSLL de titularidade (a) do responsável tributário ou corresponsável pelo débito, (b) de pessoa jurídica controladora ou controlada, de forma direta ou indireta, ou (c) de sociedades que sejam controladas direta ou indiretamente por uma mesma pessoa jurídica. A exigência é de que o vínculo jurídico tenha se consolidado até 31/12/2021 e se mantenham nesta condição até a data da adesão.
III. A retirada do ICMS do cálculo dos créditos de PIS e COFINS
Outra medida proposta pelo Governo visando a recuperação fiscal foi a modificação da sistemática de crédito do PIS e da COFINS. A Medida Provisória nº 1.159/2023, publicada no dia 13/01/2022, veda o aproveitamento de créditos de PIS e COFINS sobre a parcela do ICMS que tenha incidido sobre as operações de aquisição, inclusive sobre mercadorias em que o contribuinte não poderá recuperar o ICMS (como nas compras para uso e consumo).
O Governo Federal estimou um impacto positivo nos cofres públicos decorrente da redução do creditamento das contribuições em R$30 bilhões. Além da vedação ao crédito, a MP introduz na legislação tributária a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, ratificando o entendimento firmado pelo STF no julgamento da “tese do século” (Tema 69 - RE nº 574.706/PR), e o conteúdo do Parecer SEI nº 7698/2021/ME.
As alterações atinentes à redução do crédito de PIS e COFINS somente produzirão efeitos a partir de 01/05/2023, em observância o princípio da anterioridade. Já os dispositivos que tratam da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS produzem efeitos a partir da data da publicação (13/01/2023).
IV. Majoração das alíquotas de PIS e COFINS sobre receitas financeiras e do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante
O Governo Federal também publicou o Decreto nº 11.374/2023, que revogou o Decreto nº 11.322/2022. Este último Decreto havia reduzido em 0,33 e 2, respectivamente, as alíquotas do PIS e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras, inclusive decorrentes de operações realizadas para fins de hedge, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não-cumulativa das referidas contribuições. Com a nova redação, as alíquotas retornaram ao patamar anterior, de 0,65 para o PIS e 4 para a COFINS. Segundo o Ministério da Fazenda, essa medida impactará positivamente os cofres públicos em R$4,4 bilhões para 2023 e R$6,01 bilhões para 2024.
O Decreto que majorou as alíquotas do PIS e da COFINS entrou em vigor na data de sua publicação (02/01/2023), sem observar o princípio da anterioridade nonagesimal. Questionado acerca da necessidade da observância desse princípio, o Secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, disse na coletiva realizada no dia 12/01/2023 que a questão está sendo analisada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Em nossa opinião, a modificação da alíquota representa aumento de carga tributária e, por essa razão, deve sim observar a noventena constitucional.
O mesmo entendimento vale para o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). O Governo Federal havia concedido desconto de 50 para as alíquotas do AFRMM, por meio do Decreto nº 11.321/2022, com vigência a partir de 1º de janeiro de 2023. Em 2 de janeiro de 2023, no entanto, passou a viger o já referido Decreto nº 11.374/2023, que também revogou o Decreto nº 11.321/2022. A supressão do benefício, em nossa opinião, também importa em elevação de tributo, o que reclama a obediência do princípio da anterioridade.