Governo edita novas regras de preços de transferência

Publicado em 30 de Dezembro de 2022 em Boletins

Governo edita novas regras de preços de transferência

 

No dia 29/12/2022, foi publicada a Medida Provisória (MP) nº 1.152/2022, alterando as regras de preços de transferência brasileiras.

 

A norma era aguardada há tempos pelas empresas e desde abril de 2022 a Receita Federal do Brasil (RFB) já havia anunciado que estava estudando essas alterações, objetivando aproximar o sistema brasileiro ao utilizado pelos países da  Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

 

As regras de preços de transferência estabelecem, para fins de apuração do IRPJ e da CSLL, parâmetros a serem aplicados nas operações internacionais realizadas entre partes vinculadas (i.e., empresas de um mesmo grupo econômico).

 

O objetivo destas regras é evitar a manipulação de preços conducente à transferência indireta de lucros entre uma empresa domiciliada num país para entidade, domiciliada em outro país, com a qual guarda uma relação especial, em razão da qual podem se verificar arranjos artificiais para reduzir o pagamento de tributos, resultando na erosão da base tributária dos Estados em presença.

 

Por essa razão, estas regras, de um lado impõem limites para a dedução, no país importador, de custos e despesas e, de outro lado, estabelecem uma margem mínima de lucros a serem tributados no país exportador. A ideia é que seja possível chegar ao mesmo valor que a operação teria caso fosse praticada entre empresas independentes, através do comparativo com operações semelhantes praticadas por partes não vinculadas.

 

Enquanto a maioria dos países segue o modelo sugerido pela OCDE sobre o tema, o Brasil desde 1996 possuía regras próprias, baseadas em um sistema de margens fixas.

 

A MP nº 1.152/2022, inovando no ordenamento brasileiro, busca introduzir nova metodologia de cálculo dos preços de transferência, com aplicação obrigatória a partir de 2024 e facultativa em 2023, a qual converge para o padrão OCDE. Neste contexto, as principais mudanças são as seguintes:

 

  • Introdução do princípio “arm's length”: no art. 2º da MP, o Brasil acolhe de forma ampla o princípio “arm’s length” (“à distância do braço”) em todas as operações sujeitas ao controle de preços de transferência, de modo que os termos e as condições de uma transação controlada serão estabelecidos de acordo com aqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis;

 

  • Transações controladas: as novas regras são aplicáveis a qualquer relação comercial ou financeira entre duas ou mais partes relacionadas, realizada de forma direta ou indireta, incluídos contratos ou arranjos sob qualquer forma e série de transações;

 

  • Ampliação do conceito de partes relacionadas: enquanto a legislação anterior previa um rol taxativo de “pessoas vinculadas”, a MP passa a adotar o critério da “influência” para definição das partes sujeitas às regras de preços de transferência. Segundo o art. 4º da MP, tal circunstância se verificará quando uma das partes estiver sujeita à influência, exercida direta ou indiretamente por outra parte, “que possa levar ao estabelecimento de termos e condições em suas transações que divirjam daqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis”. Apesar do conceito ampliado de partes relacionadas do caput, o § 1º traz hipóteses de presunção absoluta de influência que já figuravam no rol da legislação anterior;

 

  • O delineamento da transação controlada será efetuado com base na análise das evidências da conduta efetiva das partes com vistas a identificar as relações comerciais e financeiras entre as partes relacionadas e as características economicamente relevantes associadas a essas relações, considerando funções desempenhadas, ativos, termos contratuais e riscos assumidos;

 

  • O contribuinte deixa de ter liberdade de escolha para o método a ser adotado. Passa-se a adotar o método “mais apropriado”, sendo o método PIC considerado o mais apropriado quando houver informações confiáveis de preços ou valores de contraprestações decorrentes de transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas, a menos que se demonstre que outro método se qualifica como tal;

 

  • São previstos cinco métodos para o cálculo de preços de transferência: (i) Preço Independente Comparável (PIC); (ii) Preço de Revenda menos Lucro (PRL); (iii) Custo mais Lucro (MCL); (iv) Margem Líquida da Transação (MLT); (v) Divisão do Lucro (MDL). Além disso, admite-se a adoção de outros métodos, desde que a metodologia alternativa adotada produza resultado consistente com aquele que seria alcançado em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas;

 

  • Commodities: recomenda-se o método PIC como o mais apropriado, com a extinção dos métodos PCI e PECEX;

 

  • Os ajustes de preços de transferência serão realizados na apuração do IRPJ e da CSLL, sem alteração dos documentos comerciais;

 

  • Detalhamento sobre o conceito de intangíveis, cujos resultados passam a ser alocados com base nas contribuições das partes e nas funções desempenhadas por cada uma delas e nos riscos associados a essas funções, com tratamento específico para os intangíveis de difícil valoração;

 

  • Abordagem específica para serviços intragrupo, assim considerada qualquer atividade desenvolvida por uma parte, incluídos o uso ou a disponibilização pelo prestador de ativos tangíveis ou intangíveis ou outros recursos, que resulte em benefícios para uma ou mais partes, excetuando-se as atividades de sócios e os benefícios incidentais;

 

  • Abordagem específica para os contratos de compartilhamento de custos, assim considerados aqueles em que duas ou mais partes relacionadas acordam em repartir as contribuições e os riscos relativos à aquisição, à produção ou ao desenvolvimento conjunto de serviços, intangíveis ou de ativos tangíveis com base na proporção dos benefícios que cada parte espera obter no contrato;

 

  • Penalidades: a MP prevê que o contribuinte deverá apresentar as informações e documentação que ampararam o cálculo, sob pena de multa;

 

  • Alteração do conceito de país com tributação favorecida para “país que não tribute a renda ou que a tribute a alíquota máxima inferior a 17% (dezessete por cento)”;

 

  • Foram revogados os antigos limites à restrição de dedutibilidade de royalties. Passam a ser indedutíveis das bases de cálculo do IRPJ e CSLL apenas os pagamentos de royalties e assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante remetidos a entidades residentes ou domiciliadas em país ou dependência com tributação favorecida ou que sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado, bem como quando a dedução dos valores resultar em dupla não tributação.

 

Em termos gerais a Medida Provisória segue o padrão estabelecido nas Transfer Pricing Guidelines da OCDE, contudo, muitos dos novos termos introduzidos têm caráter subjetivo, o que poderá representar um grande desafio à sua aplicação. Além disso, as disposições da Medida Provisória exigem ainda regulamentação para a sua aplicação.

 

Lembramos que, por se tratar de alteração introduzida por Medida Provisória, ainda deverá ser convertida em lei pelo Congresso Nacional nos próximos meses para a confirmação de seus efeitos.

Publicação produzida pela(s) área(s) Tributário

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