O Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) disponibilizou recentemente importante decisão que trata das regras para definição de grupos econômicos. Essa definição é essencial para calcular os faturamentos brutos registrados no Brasil por esses grupos e determinar a necessidade de notificação prévia de operações ao CADE.
A autoridade concorrencial decidiu ainda quando se deve observar a regra para definição de grupos econômicos para empresas ou a regra para fundos de investimento.
O caso
O caso tratou da investigação sobre a aquisição da Digesto pela Jusbrasil, ambas empresas atuantes no mercado de informação jurídica online. No julgamento, o Tribunal seguiu por unanimidade o voto do conselheiro-relator, Victor de Oliveira Fernandes, decidindo que a operação foi consumada sem a autorização prévia do CADE, infração conhecida como gun jumping, embora não tenha aplicado penalidade.
Interpretação corrente anterior ao julgamento definia grupo econômico incluindo todas as participações acionárias de ao menos 20% em empresas. Além disso, a regra para fundos de investimento prevaleceria quando houvesse fundos na estrutura do grupo.
De acordo com o voto, porém, a determinação sobre a composição de grupo econômico deve sempre partir do exame da natureza jurídica das partes diretamente envolvidas na operação.
No caso, uma vez que as requerentes eram empresas, o Tribunal decidiu que a composição de grupos econômicos deveria seguir a regra específica aplicável a empresas. Essa decisão contrariou a Superintendência-Geral do CADE, que havia entendido pela prevalência da regra sobre fundos, dada a presença de dois fundos nos quadros societários das empresas diretamente envolvidas na operação.
Regra de grupo econômico para empresas
Segundo o voto, o primeiro passo para a definição de grupo econômico, quando uma empresa é parte diretamente envolvida na operação, é identificar o grupo de sociedades sob controle comum ao qual essa empresa pertence. Essa identificação deve considerar os poderes que indiquem essas relações de controle e não necessariamente os percentuais de participação acionária envolvidos.
Após, deve-se passar à identificação das empresas nas quais essas sociedades sob controle comum detenham 20% ou mais do capital social ou votante.
Regra de grupo econômico para fundos de investimento
A regra de grupo econômico para fundos de investimento aplica-se apenas quando um fundo for parte diretamente envolvida na operação, segundo o voto.
Nesse caso, deve-se considerar, de um lado, o grupo econômico de cada cotista que detenha, direta ou indiretamente, participação de pelo menos 50% das cotas do fundo, individualmente ou por meio de acordo de cotistas; de outro lado, as empresas controladas pelo fundo e as empresas nas quais este detenha, direta ou indiretamente, participação de pelo menos 20% do capital social ou votante.
Assim, pela sistemática do voto, um fundo deve ter controle sobre uma empresa diretamente envolvida na operação para ser considerado parte de seu grupo econômico.
Controle comum versus mera proteção ao investimento
O voto sistematizou, então, o entendimento do CADE sobre o conceito de “controle comum”, identificando os principais direitos atribuídos a sócios minoritários que, na perspectiva concorrencial, podem configurar controle compartilhado ao permitirem a ingerência nos negócios e na gestão da empresa controlada. É o caso dos direitos de veto ou quórum qualificado para decidir sobre plano de negócios, orçamento anual, direito de indicar membros ao Conselho de Administração quando combinado com direitos de veto sobre matérias concorrencialmente estratégicas, dentre outros.
O voto aponta ainda direitos referentes à mera proteção ao investimento, que não implicam controle, como direitos de veto ou quórum qualificado para decidir sobre aprovação de dividendos, pedidos de falência ou recuperação judicial, direito de indicar membros ao Conselho de Administração quando não combinado com direitos de veto sobre matérias concorrencialmente estratégicas, dentre outros.
Decisão do caso
Embora tenha entendido pela configuração da infração de gun jumping no caso, o Tribunal não multou as partes da operação diante da existência de controvérsia razoável sobre os critérios de notificação aplicáveis ao caso concreto, que fizeram com que as partes tivessem motivos razoáveis para acreditar que a operação não seria de notificação obrigatória. O voto repete, nesse aspecto, decisão do Tribunal do CADE de 2021 em outra investigação de gun jumping[1].
Em razão da controvérsia, o voto recomenda ainda uma revisão ampla dos critérios de notificação, especialmente para os casos que envolvam direitos de acionistas minoritários, a partir de critérios objetivos e quantitativos.
Considerando que se trata de uma decisão recente, com impactos sobre a interpretação das regras sobre grupos econômicos e que recomenda a alteração da regulação específica, a Equipe Concorrencial de TozziniFreire está acompanhando de perto o desenvolvimento do tema junto ao CADE e permanece à disposição para o esclarecimento de quaisquer dúvidas.