STF se pronuncia mais uma vez sobre o uso da marca Iphone, mas o julgamento será reiniciado

Publicado em 27 de Outubro de 2023 em Artigos

A tão aguardada decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto ao uso da marca Iphone no Brasil terá que esperar mais um pouco. O julgamento será reiniciado em razão de pedido de destaque feito pelo ministro Dias Toffoli, relator do caso, em 23 de outubro de 2023, último dia do julgamento que ocorria em plenário virtual.

 

Antes do pedido de destaque, o placar estava em 5 votos a favor da empresa americana Apple Inc. (Apple), contra 3 votos favoráveis à empresa brasileira IGB Eletrônica S/A (Gradiente). Agora, o placar foi zerado e o julgamento ocorrerá em plenário físico do STF, mas ainda sem data prevista.

 

Relembramos que esse caso vem sendo discutido desde 2013, quando a Apple ajuizou, perante a Justiça Federal do Rio de Janeiro, uma ação de nulidade do registro da marca “G Gradiente Iphone”, mista, depositada pela Gradiente em 2000 e concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 2008. Em 2020 foram realizadas tentativas de acordo extrajudicial entre as partes, mas sem sucesso, então a disputa continuou pela via judicial.

 

As teses dos ministros do STF

 

Evidenciando a complexidade do caso, a disputa estava acirrada e as opiniões dos ministros do STF foram divergentes: antes da primeira suspensão do julgamento, em 09 de junho de 2023 em razão do pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, o placar estava empatado em dois votos favoráveis à Gradiente, declarados pelos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, contra dois votos favoráveis à empresa norte-americana Apple, declarados pelos ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.

 

Entre 13 e 23 de outubro, o julgamento foi retomado e o placar desempatado pelos votos favoráveis à Apple dos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, e mais um voto favorável à Gradiente do ministro André Mendonça, resultando em um placar de 5 a 3 votos a favor da Apple.

 

De um lado, o relator do caso, ministro Dias Toffoli, acompanhado dos ministros Gilmar Mendes e André Mendonça, defendeu a empresa brasileira Gradiente e a tese de que os registros de marcas no Brasil não devem ser afetados por seu uso posterior por empresas estrangeiras.

 

De outro lado, os ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso defenderam que a prioridade da Gradiente sobre a marca é questionável por não se tratar de um direito absoluto e que a punição da Apple prejudicaria “a qualidade futura dos produtos oferecidos ao consumidor final”. No mais, eles entendem que a exclusividade marcária do termo “Iphone” não causaria danos emergentes a nenhuma das partes, visto que não há nenhum óbice à utilização pela IGB da expressão integral “G Gradiente Iphone”, que foi validamente registrada perante o INPI.

 

Nesse mesmo sentido, os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin também acompanharam a divergência ao relator e acrescentaram que o deferimento da exclusividade marcária à Gradiente, desconsiderando toda a mudança significativa no mercado de smartphones, significaria vulnerar a proteção de princípios da livre concorrência e livre iniciativa, além de possivelmente causar a indesejada confusão e associação indevida entre os produtos para os consumidores.

 

Nesse contexto, antes do processo ser levado para julgamento em plenário físico, a maioria dos ministros do STF entendeu que a decisão proferida em tribunal de origem foi acertada ao declarar a nulidade parcial do registro de marca mista “G GRANDIENTE IPHONE” com determinação ao INPI para que seja realizada uma nova publicação com a ressalva de que a Gradiente não detém exclusividade sobre o termo “Iphone” isoladamente.

 

O impacto do julgamento

 

Esse é um caso de relevante importância para o mercado porque engloba diversas questões que ultrapassam apenas questões marcárias e leva em consideração a importância da marca “iPhone” no ramo de smartphones, uma vez que é inegável o reconhecimento da marca da Apple no mundo inteiro, inclusive no Brasil.

 

Outras discussões acerca de consequências deletérias na demora do INPI e órgãos internacionais na análise de pedidos de registro de marcas e o fenômeno de secondary meaning, que consiste na aquisição da distintividade de uma marca por seu uso, também foram suscitadas.

 

A demora no exame subjetivo da registrabilidade de marcas pode prejudicar o interesse social, a livre concorrência, além de comprometer a função social da propriedade da marca. Por um lado, esse prolongamento injustificado pode conceder a um titular o privilégio de exploração exclusiva de uma marca, produto ou serviço e, por outro lado, impedirá que terceiros se utilizem daquela marca, por muitos anos – até o deferimento ou indeferimento daquele pedido de registro de marca.

 

Como visto no presente caso, durante o período de delonga do INPI para realizar o exame subjetivo do pedido de registro da marca da Gradiente, houve o lançamento do conhecido smartphone da Apple e a marca “iPhone” já surgiu com grande renome no mercado americano. Ainda que o iPhone da Apple tenha chegado ao Brasil apenas em 2008, após o registro da marca da Gradiente já ter sido concedido, verificamos que a anterioridade dessa marca foi adquirida antes mesmo de seu depósito de marca no Brasil, mas em razão de seu uso difundido no mercado internacional desde 2007, o que é chamado de secondary meaning.

 

Esse seria mais um caso judicial que suportaria as discussões de propostas de alteração da LPI para inclusão de novas disposições para o reconhecimento de distintividade das marcas pelo uso.

 

Assim, o debate desse caso vai além de um simples caso de anterioridade marcária, pois envolve também a análise de um contexto global da indústria e trouxe um debate crítico sobre o princípio da segurança jurídica.

 

No mais, a disputa dá ensejo a discussões sobre a ocorrência de deadwood, relativo à existência de registros de marcas que não são mais usadas, mas permanecem registradas no sistema do INPI, e a necessidade de revisão do atual sistema de caducidade de marcas no Brasil.

 

Atualmente, existe um elevado número de marcas registradas no INPI que não estão em uso e, enquanto isso, não existe um mecanismo no nosso ordenamento jurídico de verificação da continuidade do uso destas marcas. O único recurso que temos é o pedido de caducidade, o qual deve ser provocado por um terceiro interessado após cinco anos da data de concessão do registro.

 

No mais, vale apontar que caso a Gradiente obtenha uma sentença favorável do STF, a empresa possivelmente terá direito a uma porcentagem das vendas sobre cada iPhone vendido pela Apple no Brasil. Caso contrário, se a Apple tiver êxito nesse julgamento, a empresa continuará usufruindo dos direitos sobre a marca “iPhone” e mantendo sua posição dominante no mercado.

 

Por fim, ressalta-se que qualquer decisão do STF terá um grande impacto no setor empresarial e no âmbito administrativo do INPI, tanto para as partes quanto para terceiros que lidem com questões semelhantes de propriedade industrial, e acompanharemos o desfecho dessa decisão.

 

 

Artigo escrito pela sócia Marcela Ejnisman, e as advogadas Stephanie Consonni e Julie Kagawa da área de Propriedade Intelectual de TozziniFreire Advogados.

Publicação produzida pela(s) área(s) Propriedade Intelectual