A Lei nº 14.946/2024 representa um marco significativo para a exploração espacial no Brasil e reflete a crescente importância do setor espacial para o desenvolvimento econômico e tecnológico do país
Foi sancionada em 31 de julho pela Presidência da República a Lei nº 14.946/2024 (“Lei Geral do Espaço”), que institui as normas aplicáveis às atividades espaciais no território nacional. Fruto do Projeto de Lei nº 1.006/2022 da Câmara dos Deputados, a nova lei inaugura uma base legal necessária às novas realidades e desafios da exploração espacial no Brasil.
Uma das principais motivações para a criação da Lei nº 14.946/2024 foi a necessidade de regulamentar as atividades espaciais que poderão ser exploradas por entes públicos e privados e as competências das entidades governamentais envolvidas na condução e fiscalização dessas atividades, além de dar o impulso necessário ao crescimento do setor no Brasil, que conta com dois grandes centros de lançamento: a Barreira do Inferno, no Rio Grande do Norte, e a Base de Alcântara, localizada no Maranhão.
O Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), fundado em 1965, foi a primeira base aérea de foguetes da América do Sul e concentra as operações de lançamento de foguetes de pequeno e médio porte, visto que a proximidade com o centro urbano de Natal, cerca de 20 km, impossibilita o lançamento de grandes foguetes.
Já o Centro Espacial de Alcântara (CEA), inaugurado em 1983 no município de Alcântara, no Maranhão, possui localização chave para o lançamento de satélites e foguetes de grande porte e ocupa uma área isolada de 620 km², distante do centro urbano do município, com cerca de 18 mil habitantes.
Pela sua proximidade à linha do Equador, o CEA possibilita uma economia de até 30% no combustível usado em lançamentos quando em comparação às partidas da base de Cabo Canaveral, nos Estados Unidos, considerada referência, tornando-o altamente atrativo para operações de lançamento de foguetes e satélites.
Pelo privilégio geográfico, o CEA atrai a atenção de países mais avançados na exploração de atividades espaciais, como China e Estados Unidos. Em 1988, cinco anos após a instalação da Base de Alcântara, Brasil e China firmaram acordo para a elaboração conjunta de planos de exploração espacial.
Em 2003, Brasil e Ucrânia firmaram acordo para a criação da Alcântara Cyclone Space, joint-venture criada entre os dois países para cooperação em matéria espacial, no entanto, o acordo foi encerrado em 2015 sem nenhum lançamento realizado. O acordo mais recente foi firmado em 2019 entre Brasil e Estados Unidos para participação deste em lançamentos a partir do CEA.
Pelo potencial exploratório dos centros espaciais brasileiros e o crescimento de empresas especializadas no setor, a Lei nº 14.946/2024 traz pontos basilares para alavancar a expansão desse mercado.
Atividades espaciais e autoridades competentes
A nova lei delineia um rol de atividades espaciais que poderão ser exploradas a partir do território nacional, como a decolagem de veículos lançadores, a exploração de recursos espaciais, o transporte de material e de pessoal ao espaço exterior e o turismo espacial.
As atividades espaciais permitidas pela Lei nº 14.946/2024 estão divididas entre atividades de defesa, consideradas aquelas necessárias à garantia da segurança e defesa nacional, e atividades civis, sendo todas aquelas que fogem do escopo militar.
A lei deixa a cargo do Comando da Aeronáutica a regulamentação e fiscalização das atividades espaciais classificadas como de defesa nacional. As atividades espaciais civis, por sua vez, competirão à Agência Espacial Brasileira (AEB), autarquia pública vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), responsável por formular, coordenar e executar a Política Espacial Brasileira. Para as atividades de caráter híbrido (defesa e civil), ambas as autoridades atuarão de comum acordo na forma do regulamento que deverá ser editado.
De forma residual, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) também atuará na concessão das autorizações, quando necessárias, às demais atividades conectadas à exploração espacial.
Condições do operador espacial
A nova lei prevê que as atividades espaciais listadas poderão ser exploradas por operador espacial, que poderá ser uma entidade pública, por intermédio de órgãos ou entidades da administração pública federal, ou entidade privada com representação jurídica no Brasil.
Os operadores privados poderão explorar as atividades espaciais por meio de parceria com o setor público ou por meio de autorização ou permissão concedida pela AEB. Com a publicação da lei, a autoridade deverá editar regulamento próprio prevendo as condições para obtenção da autorização e prazo de vigência.
A lei também possibilita que duas ou mais pessoas jurídicas associem-se para a composição de um operador espacial único, sem prejuízo da responsabilidade solidária entre elas. Ainda, havendo acordo, um operador espacial poderá transferir para outro o controle de seus artefatos; no entanto, esta ação deverá suceder nova autorização.
Na esfera pública, a União poderá realizar, por dispensa de licitação, de forma direta ou indireta, a exploração econômica da infraestrutura espacial e das atividades espaciais, incluídos os serviços inerentes à operação e à utilização de sistemas espaciais.
Todas as informações sobre as atividades espaciais de natureza civil exploradas em território nacional serão coletadas, tratadas e armazenadas pela AEB no Registro Espacial Brasileiro (Resbra).
Potenciais econômicos e tecnológicos
O Brasil tem investido, especialmente na última década, no desenvolvimento do setor espacial, reconhecendo seu potencial econômico e tecnológico. A posição estratégica de Alcântara possui grande peso nessa mudança de rota, pois a base atrai o interesse de empresas estrangeiras que veem no Brasil um parceiro potencial para lançamentos comerciais.
Em 2020, a AEB lançou um processo de chamamento público para selecionar quatro companhias com interesse em realizar operações de lançamentos de veículos espaciais não militares, orbitais e suborbitais. As empresas C6 Launch, do Canadá, Virgin Orbit e Orion AST, dos Estados Unidos, e Innospace, da Coreia do Sul, foram as selecionadas. A expectativa do mercado é que a AEB lance novo chamamento público em breve.
O investimento na exploração dos centros espaciais brasileiros reflete a atual agenda governamental para o estímulo à diversificação do financiamento no setor espacial, a promoção de um ambiente de negócios favorável e a ampliação da cooperação internacional, os quais são objetivos que integram o Plano Estratégico de 2023-2026 elaborado pela AEB.
Desafios e lacunas
Apesar das oportunidades, há desafios que precisam ser superados para que o Brasil possa se consolidar como um player relevante no mercado espacial. As questões de disputas territoriais em Alcântara, envolvendo comunidades quilombolas realocadas, ainda precisam ser sanadas pelo Governo Federal.
Além disso, é fundamental que o Brasil continue investindo em pesquisa e desenvolvimento no setor espacial, fortalecendo suas capacidades tecnológicas e garantindo a formação de recursos humanos qualificados.
Apesar das bases da Barreira do Inferno e de Alcântara terem sido projetadas, a princípio, para dotar o Brasil da infraestrutura necessária para colocar em órbita seus próprios satélites, até o momento, nenhum grande satélite desenvolvido no país foi colocado em órbita – somente nanossatélites, de menor complexidade. Apenas em 2021 o Brasil lançou em órbita seu primeiro grande satélite produzido inteiramente em território nacional, no entanto, o lançamento partiu do centro espacial Satish Dhawan, na Índia.
Em termos normativos, a Lei nº 14.946/2024 deixou a cargo da AEB e do Comando da Aeronáutica a edição de regulamentos que versem sobre o tratamento dos dados espaciais e áreas sensíveis para a segurança nacional, procedimento para obtenção de autorização pelas entidades privadas interessadas, mitigação de detritos espaciais, prevenção de acidentes em atividades espaciais e cobrança de tarifas pelo poder público.
Apesar das lacunas, a edição da Lei nº 14.946/2024 e os investimentos no setor espacial no Brasil, em especial na estratégica Base de Alcântara, representam um passo importante para o crescimento da exploração espacial no Brasil. Com um planejamento contínuo e engajamento com parceiros internacionais, o país tem o potencial de se destacar no cenário global.