Governança em Direitos Humanos: como a nova regulação europeia impacta o mercado brasileiro

Publicado em 30 de Abril de 2024 em Artigos

Após dois anos de intensa movimentação legislativa, a União Europeia (UE) aprovou no dia 24 de abril o texto base da nova Diretiva de Devida Diligência em Sustentabilidade Corporativa (Corporate Sustainability Due Diligence Directive – CSDDD –, também conhecida como CS3D). A Diretiva prevê a obrigação de que grandes empresas com matriz nos países da União Europeia e as estrangeiras com operações nos países da UE identifiquem, previnam e mitiguem impactos adversos a direitos humanos e ao meio ambiente ao longo da sua cadeia de valor, incluindo empresas afiliadas e subsidiárias. A nova norma integra o movimento Pacto Ecológico Europeu” (Green Deal), que estabelece estratégias para consagrar a Europa como primeiro continente neutro em emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2050.

 

No Norte Global, a Diretiva é recebida como importante marco normativo para a agenda de Empresas e Direitos Humanos. Nas palavras da vice-presidente do Parlamento Europeu, a deputada finlandesa Heidi Hautala (Grupo dos Verdes), em entrevista à imprensa francesa, a Diretiva representa oportunidade única de consolidação da responsabilidade das empresas quanto ao respeito a direitos humanos e ao meio ambiente em sua cadeia de valor. De acordo com a parlamentar, para que a contenção dos impactos socioambientais seja efetiva, é fundamental que as empresas estejam envolvidas como agentes de mudança.  

 

À luz desse panorama, aprimorar o monitoramento das cadeias de valor é etapa necessária ao avanço da pauta ESG e para adequação às expectativas e exigências de mercados internacionais. A Organização das Nações unidas (ONU) tem discutido sobre a relação entre Direitos Humanos e a atuação de empresas transnacionais há aproximadamente 50 anos por meio de sucessivas iniciativas e fóruns. Em 2011, estipulou nos Princípios Orientadores para Empresas e Direitos Humanos a diretriz de que aos Estados cabe o dever de proteger os direitos humanos e, às empresas, o dever de respeitá-los, buscando métodos de prevenção e mitigação a efeitos adversos em direitos humanos que estivessem relacionados às suas atividades. A previsão contemplava a administração de riscos a direitos humanos nas cadeias de valor, tal qual prevê a CS3D 13 anos depois. O que se vê é que a Diretiva consolida importante norte dos princípios orientadores da ONU quanto à devida diligência em direitos humanos ao mesmo tempo em que coloca luz em desafios do Sul Global.

 

As repercussões das novas normativas europeias não ocorrem somente por lá, havendo impactos consideráveis para o mercado brasileiro. Isso porque, a UE representa o segundo principal parceiro comercial do Brasil, sendo responsável por 15% do seu comércio total, com números na balança comercial que impactam as relações do país e demandam por ações de conformidade com a nova legislação.

 

Há, com razão, preocupação por parte do setor produtivo brasileiro em como dar cumprimento às novas exigências legais. A aprovação da CS3D surge em sequência do Regulamento UE para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) e, consideradas as diferenças entre normas, sobretudo quanto às limitações de produtos específicos que ocorre na última, ambas exigirão de produtores brasileiros e de empresas europeias que atuem no Brasil a realização de ciclos de devida diligência socioambiental e em direitos humanos.

 

A preparação e capacitação a respeito da matéria são a chave para superação dos desafios inerentes à implementação de legislações de governança para direitos humanos. Se, por um lado, haverá o momento de adaptação à nova realidade regulatória, as normativas também serão capazes de gerar oportunidades competitivas para as empresas que incorporarem os novos parâmetros de direitos humanos, desenvolvendo sistemas, políticas e mecanismos de respeito e de promoção desses direitos, mecanismos aptos a coloca-las à frente na disputa por mercados internacionais, cada vez mais regulados por leis de devida diligência, de divulgação e reporte de informações, entre outras.

 

Nesse sentido, de acordo com o texto final aprovado, é prioritário que os stakeholders envolvidos na nova regulamentação inaugurem, desde já, mentalidade produtiva adequada ao novo momento comercial, no qual será necessário levar em consideração os impactos adversos a direitos humanos em sua cadeia de valor para matriz, filiais e subsidiárias. Com o tempo, os impactos serão sentidos também por pequenas e médias empresas que componham a cadeia de fornecimento daquelas relacionadas com o continente europeu. A tendência é que o monitoramento de impactos a direitos humanos se integre às demais operações, transformando-se, se bem estruturado, em diferencial competitivo e asset comercial.

 

A CS3D representa, portanto, a matriz Diretiva do bloco europeu para realização de devida diligência em direitos humanos e será, a partir de sua aprovação, regulamentada pelos países-membros. Não faltam exemplos atuais de leis de devida diligência em direitos humanos em Estados europeus. No ano passado, entrou em vigor na Alemanha o German Supply Chain Act, que exige de determinadas empresas o monitoramento das operações quanto aos impactos em direitos humanos. Além da Alemanha, hoje França, Noruega, Holanda e Suíça também possuem normas sobre devida diligência, que deverão ser adaptadas às regras contidas na CS3D nos próximos anos.

 

No Brasil, desde 2022 tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 572/2022, que visa criar a Lei Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas. Em 2023, o Decreto Federal n° 11.772/2023 criou o Grupo de Trabalho Interministerial com representantes do governo, sociedade civil e empresas para o desenvolvimento do Plano Nacional de Ação sobre Empresas e Direitos Humanos (que, também no dia 24 de abril, promoveu a 2ª oitiva de especialistas, como parte dos esforços para a elaboração da Política). A consolidação de marcos nacionais de regulação, no Brasil e na Europa é tendência posta. Vale lembrar que a célebre expressão “no turning back” se aplica também às dimensões sociais, em que a régua normativa e de boas práticas fica cada vez mais alta, exigindo das empresas a rápida incorporação da agenda de direitos humanos ao seu cotidiano.

 

*Por Clara Serva, sócia e head da área de Empresas e Direitos Humanos e coordenadora Pro Bono em TozziniFreire Advogados, e Helena Matos, advogada da área e de Pro Bono.

Publicação produzida pela(s) área(s) Empresas e Direitos Humanos