As mudanças que impactam os direitos humanos na atividade empresarial

Publicado em 04 de Maio de 2022 em Artigos

Neste artigo, a sócia Clara Serva e o advogado Luiz Carlos S. Faria Jr. – na área de Empresas e Direitos Humanos de TozziniFreire -, comentam como o cenário internacional trata os direitos humanos na atividade empresarial. Além disso, posiciona a visão da Organização das Nações Unidas (ONU) quanto ao tema.

 

O recente crescimento da agenda ESG nas empresas e no mercado em geral cria a ilusão de que os debates sobre respeito a direitos humanos na atividade empresarial são algo novo, fruto das demandas da nova geração preocupada com o futuro do planeta e com o consumo consciente. No entanto, a agenda de Empresas e Direitos Humanos é madura no cenário internacional.

 

A ONU tem discutido sobre a relação entre Direitos Humanos e a atuação de empresas transnacionais há aproximadamente 50 anos por meio de sucessivas iniciativas e fóruns. Entre as décadas de 1970 e 1990 foi criado, e extinto, o Centro das Nações Unidas sobre Empresas Transnacionais e tentou-se elaborar um Código de Conduta Internacional para empresas.

 

A virada do milênio trouxe, sem sucesso, a proposta de criação de “Normas” vinculantes para responsabilização de empresas e as iniciativas encabeçadas pelo então Secretário-Geral da ONU, Kofi Anan: o Pacto Global e a nomeação do prof. John Ruggie para Representante Especial do Secretário-Geral para o tema de Direitos Humanos, Empresas

Transnacionais e Outros Negócios, que resultou nos Princípios Orientadores, marco autorizativo atual sobre o tema.

 

A constante pressão da sociedade civil, em conjunto com os avanços institucionais gerados pelos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos e pelo Pacto Global, impulsionaram a agenda internacional para o início do processo de negociação de um Tratado Internacional, que se encontra em andamento. Mas não só.

 

A União Europeia já vem demonstrando seu compromisso com a pauta do desenvolvimento sustentável e das mudanças climáticas há alguns anos com o lançamento do “European Green Deal” em 2019 – e das iniciativas para transformação econômica propostas em 2021 –, apesar do seu inexpressivo engajamento no processo de negociação do Tratado Internacional na ONU.

 

No dia 23 de fevereiro, após vários adiamentos, a Comissão Europeia publicou proposta normativa para instituir a obrigação de devida diligência em direitos humanos e meio ambiente, denominada como “Devida Diligência Corporativa Sustentável” por seu lançamento enquanto elemento integrante da Iniciativa sobre Governança Corporativa Sustentável do bloco europeu.

 

A proposta prevê que a devida diligência obrigatória deve envolver toda a cadeia produtiva global das empresas - incluindo suas subsidiárias, parceiros comerciais, contratadas, fornecedores e prestadores de serviço de maneira ampla. Apesar de estabelecer requisitos de faturamento e de quantidade de colaboradores para imposição de suas obrigações, cria a possibilidade das vítimas de violações de direitos humanos, mesmo em países não-europeus, acionarem judicialmente as cortes da União Europeia, avançando com relação a mecanismos de acesso à reparação.

 

Não há dúvidas de que o mercado brasileiro sofrerá os impactos da aprovação da proposta. A cadeia produtiva de grandes empresas europeias envolve um significativo número de empresas nacionais, que terão que se adaptar às exigências legais e conduzir seus próprios processos de devida diligência para manutenção de contratos ou celebração de novos negócios.

 

As legislações nacionais de devida diligência elaboradas por diversos países nos últimos anos já estão começando a afetar empresas que atuam no país e a tendência é que as exigências de devida diligência se definam como o padrão base para a atuação corporativa. No Brasil já existem as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, de natureza voluntária, estabelecidas pelo Decreto nº 9.571/2018 e pela Resolução do CNDH n° 5/2020, e recentemente foi proposto na Câmara dos Deputados o PL 572/2022 para aprovação de uma Lei Marco Nacional de Direitos Humanos e Empresas.

 

A conjuntura atual torna inevitável questionarmos se este seria o ano decisivo para o respeito a direitos humanos por empresas. Estamos diante de um ponto de virada rumo a um modelo de atuação corporativa comprometido com o respeito aos direitos humanos e regulado por diretrizes de adoção voluntária e por legislações nacionais e internacionais obrigatórias.

 

O momento exige cada vez mais avançar para além da “boa ação” – da realização de ações de responsabilidade social e de cunho filantrópico – e encarar com seriedade e compromisso a obrigação de respeito a direitos humanos, sob pena de prejuízos financeiros, jurídicos e reputacionais consideráveis.

 

De acordo com o professor Surya Deva, presidente do Grupo de Trabalho da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, em entrevista concedida ao Podcast TozziniFreire Advogados no princípio deste ano, em tradução livre: “Agora, neste contexto particular, devemos ver o aspecto obrigatório da devida diligência como um grande fator de mudança, na minha opinião. Isso significaria que as empresas não podem mais fingir que assumem responsabilidades com relação a direitos humanos de forma leve. Elas têm que levá-las a sério e haveria múltiplos fatores de pressão”.

 

A aprovação futura de uma normativa aplicável a todas as empresas sediadas nos países da União Europeia certamente gerará grandes impactos para empresas de todo o mundo e também para os Estados, demandando conformidade com as exigências legais para concessão de investimentos e manutenção de relações comerciais, criando um cenário, espera-se, cada vez mais favorável à negociação de um tratado internacional capaz de estabelecer standards mínimos para atuação empresarial com respeito a direitos humanos.

 

 

Artigo inicialmente publicado no portal LexLatin em 4 de maio de 2022. Acesse aqui.

Publicação produzida pela(s) área(s) Empresas e Direitos Humanos