Evento destaca as principais mudanças no sistema tributário brasileiro, abordando desde a simplificação dos tributos até os desafios na gestão fiscal e no contencioso administrativo
A reforma tributária trará impactos profundos para a indústria brasileira, exigindo que as empresas se adaptem rapidamente a muitas mudanças como, por exemplo, o Split Payment, que vai alterar a forma de pagamento de tributos e promete transformar a gestão tributária. Essas e outras questões foram amplamente discutidas durante o evento promovido por TozziniFreire Advogados em Campinas (SP), que reuniu especialistas para abordar as principais mudanças no sistema tributário e os desafios que virão com a implantação do novo regime.
Carlos Renato Vieira, sócio de TozziniFreire, foi o primeiro palestrante da programação e ofereceu uma visão abrangente sobre o processo de reforma, explicando que um dos pilares da reforma é a consolidação de tributos em dois principais: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). O IBS ficará sob a alçada de estados e municípios, enquanto a CBS será responsabilidade do governo federal. “Essa unificação reduz o número de tributos, mas a inovação é a criação de uma base de incidência mais alargada, em contrapartida à ideia de não cumulatividade ampla”.
A não cumulatividade ampla permitirá que as empresas acumulem créditos de impostos pagos nas etapas antecedentes da cadeia produtiva, reduzindo o acúmulo de tributos sobre tributos. O que dará direito ao crédito é o imposto comprovadamente pago e não o imposto meramente destacado na nota fiscal de entrada como ocorre atualmente. No entanto, bens de uso pessoal e consumo, como joias e vinhos, não gerarão crédito.
Além disso, Vieira destacou a mudança para a tributação no destino, o que significa que os impostos serão pagos onde o produto ou serviço é consumido. Isso indica o fim da guerra fiscal atualmente existente e beneficiará estados consumidores, mas gera preocupações para estados produtores, que podem enfrentar perda de arrecadação. “Essa prática está alinhada com os padrões internacionais – que adotam o princípio do destino – e pode desonerar também a exportação de bens e serviços, tornando as indústrias brasileiras mais competitivas globalmente”, comentou.
Uma das questões mais sensíveis da reforma é a alíquota, segundo o palestrante. Ele explicou que, inicialmente, havia a ideia de uma alíquota única para simplificar o sistema, mas, conforme o projeto avançou no Congresso, surgiram regimes de exceção. O advogado destacou que o teto projetado para a carga tributária é de 26,5%, com uma trava que impede o aumento desse percentual. Há a expectativa de que o Senado faça ajustes finos nesse ponto, tendo em vista que o projeto prevê a fixação de uma alíquota de referência pelo Senado, mas os Estados e os Municípios têm liberdade para fixação das suas alíquotas. As alíquotas são essenciais na mensuração da carga tributária e têm impacto significativo no setor produtivo, mas ainda existem algumas zonas cinzentas na regulamentação.
O sócio ainda ressaltou a criação do Imposto Seletivo, que será aplicado sobre produtos que geram externalidades negativas, como cigarro e bebidas alcoólicas, e será administrado pela Receita Federal. Esse tributo busca desestimular o consumo de bens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. “Há um ponto de divergência em relação à inclusão de certos produtos, como veículos, embarcações e aeronaves. Há ainda situações como as apostas esportivas (bets), que, como sabemos, foram adicionadas para compensar a perda de arrecadação gerada pela inclusão da carne na cesta básica”, ponderou.
Na sequência, a palestra de Renata Andrade, líder jurídico – tributário e previdenciário – na Química Amparo, trouxe uma perspectiva técnica sobre o conceito de Split Payment. Ela explicou que esse conceito implica a divisão do pagamento de tributos no momento da transação, e não ao longo do ciclo de apuração, como acontece no modelo atual. “É um sistema já utilizado em alguns setores, como na arrecadação do IPVA em São Paulo, e em transações de comércio eletrônico, em que diferentes fornecedores recebem suas partes automaticamente”, detalhou.
Renata enfatizou que o Split Payment trará mudanças profundas para o fluxo de caixa das empresas, uma vez que o tributo poderá ser pago antes mesmo de o fornecedor receber o valor da venda. “Em transações parceladas, o impacto será ainda maior, pois as empresas poderão ter que pagar o tributo integral antes de receberem o pagamento total do cliente”, destacou. Isso representa um desafio considerável, especialmente para empresas que operam com prazos longos de recebimento.
A palestrante também discutiu como a reforma propõe automatizar o processo de apuração e pagamento dos tributos, vinculando-o à liquidação financeira da operação. A ideia é aumentar a segurança no sistema e reduzir fraudes, uma vez que o crédito fiscal só será gerado após a confirmação do pagamento. “Isso eliminará a possibilidade de créditos indevidos, que hoje são gerados com base em operações fraudulentas”, explicou.
No entanto, Renata alertou para as críticas enfrentadas pelo novo sistema, especialmente no que diz respeito aos créditos fiscais e à dificuldade que as empresas terão em gerenciar essa mudança. “A adoção de um sistema como o DREX, que integra a Receita Federal com o sistema financeiro, pode facilitar a implementação, mas ainda há muitas incertezas sobre como isso funcionará na prática”, ponderou.
Por fim, Renata destacou que, embora o Split Payment prometa uma racionalização do sistema tributário, ele também pode criar complicações operacionais para as empresas, especialmente as que lidam com prazos longos e ciclos financeiros complexos. “O governo afirma que o sistema trará benefícios, mas os desafios operacionais ainda precisam ser superados”, concluiu.
Encerrando o evento, Bruno Teixeira, sócio de TozziniFreire, abordou a Reforma Tributária e o Contencioso Administrativo. Ele iniciou sua apresentação destacando a criação do Comitê Gestor do IBS, que será responsável pela administração tributária de estados e municípios, além de coordenar a fiscalização e a gestão do contencioso administrativo.
Bruno destacou que o Comitê será um órgão autônomo, com uma função semelhante à de uma agência reguladora, sem subordinação a qualquer órgão da administração pública. Essa independência será fundamental para garantir a eficiência e a imparcialidade na gestão do IBS. Ele explicou que o Comitê terá poder para coordenar a arrecadação, retenção e compensação de tributos, além de definir diretrizes para a fiscalização conjunta entre estados e municípios. “Isso inclui a possibilidade de rateio de custos de fiscalização e arrecadação de multas e juros”, apontou.
O palestrante destacou que o Comitê também será fundamental para os municípios menores, que muitas vezes não têm estrutura suficiente para fiscalizar e cobrar créditos tributários. Nesses casos, o Comitê poderá delegar essas funções a outros entes, facilitando o cumprimento das obrigações tributárias.
Bruno concluiu sua apresentação apontando que, embora a reforma traga avanços, há muitos desafios práticos a serem superados. A integração entre os sistemas de fiscalização e arrecadação de diferentes entes federativos será essencial para o sucesso da reforma. “A coordenação eficiente entre estados e municípios será um dos maiores desafios da nova estrutura tributária”, concluiu.
O evento de TozziniFreire Advogados, realizado no dia 5 de setembro na unidade de Campinas (SP), deixou claro que a reforma tributária é promissora, mas ainda exige muitos ajustes e um planejamento cuidadoso para sua implementação. O impacto para a indústria será profundo e tende a ser bastante positivo. No entanto, as empresas terão que se adaptar rapidamente às novas regras para garantir competitividade em um ambiente econômico em transformação.