Decisão do min. Cristiano Zanin ratifica competência da ANVISA para regular a matéria e pode trazer impactos diretos ao setor de alimentos e bebidas
A Resolução da Diretoria Colegiada nº 24/2010 da ANVISA
Em 15/07/2010, a ANVISA publicou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 24/2010. A Resolução teve por propósito estabelecer requisitos mínimos para oferta, propaganda e publicidade de produtos “considerados com quantidades elevadas de açúcar, de gordura saturada, de gordura trans, de sódio, e de bebidas com baixo teor nutricional”, com o objetivo de assegurar informações indisponíveis à preservação da saúde de todos aqueles expostos à oferta, propaganda, publicidade e informação. Para tanto, definiu termos como “alimentação saudável”, “alimento com quantidade elevada de açúcar” (art. 4º), dentre vários outros e, com isso, estabeleceu regras a serem observadas na publicidade desses produtos.
As regras de publicidade introduzidas pela RDC nº 24/2010 exigem a veiculação de alertas específicos como “[o produto] contém muito açúcar e, se consumido em grande quantidade, aumenta o risco de obesidade e de cárie dentária" e “[o produto] contém muito sódio e, se consumido em grande quantidade, aumenta o risco de pressão alta e de doenças do coração”. Tais alertas deveriam ser pronunciados pelo “personagem principal” ou pelo “locutor” da peça publicitária, além de escritos em cartela única, com fundo verde e letras brancas, “de forma a permitir a perfeita legibilidade e visibilidade” (art. 7º, § 2º).
O caso julgado pelo STF
Desde a edição da RDC nº 24/2010, foram propostas diversas demandas judiciais contestando os seus termos e a própria legitimidade da ANVISA para regular a matéria por meio de mera resolução. Uma dessas ações foi movida pela Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação, atual Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA), em setembro de 2010, que congrega alguns dos maiores players do mercado de alimentação e bebidas no país.
Ainda em 2010, a Justiça Federal de Brasília deferiu liminar em favor da Associação, impedindo a ANVISA de “aplicar aos associados da autora qualquer espécie de autuação e/ou sanção” pelo descumprimento da RDC. A decisão foi confirmada por sentença em 2012 e ratificada pelo TRF-1 em 22/02/2013; também foi mantida pelo STJ em sede de Recurso Especial por parte da ANVISA. O fundamento central das decisões de mérito sempre esteve nos limites do poder regulamentar da ANVISA sobre o tema, em contraste com o princípio da legalidade.
O caso foi remetido ao STF no início deste ano para processar o Recurso Extraordinário com Agravo da ANVISA. Lá, pretenderam ingressar diversos amici curiae, como a Associação de Controle do Tabagismo, Promoção da Saúde e dos Direitos Humanos (ACT Promoção da Saúde) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), que inclusive participara do caso em primeira instância.
O relator do caso no STF, min. Cristiano Zanin, proferiu decisão em 27/04/2024 desprovendo o recurso da ANVISA, ratificando o entendimento de que a Agência não poderia regular a matéria por meio de resolução. Sobreveio, contudo, recurso do Ministério Público Federal, que levou o eminente ministro a reconsiderar e, há poucos dias, prover o Recurso Extraordinário da ANVISA, a fim de “julgar válida” a RDC nº 24/2010. Com isso, o caso muda completamente seu rumo, com potenciais impactos relevantes no setor, notadamente para os associados da ABIA.
A decisão monocrática é recente e ainda há prazo para interposição de Agravo Interno por eventuais interessados. Diante da relevância do tema, é de se esperar que assim ocorra, submetendo-se a monocrática do min. Zanin ao colegiado da 1ª Turma da Corte.
O futuro da regulação
Quando encerrada a discussão judicial, é esperado que a ANVISA também se manifeste sobre o tema, possivelmente com a edição de nova norma e/ou com orientações para a indústria sobre cumprimento da RDC n. 24/2010 e eventuais prazos de adequação. Vale lembrar que o tema havia entrado na Agenda Regulatória de 2017-2020, mas acabou por ser arquivado pela Agência em 2019, sob a justificativa de que “não há pretensão de retomar o tema enquanto o mesmo permanecer judicializado”.
As normas recentes sobre rotulagem de alimentos, que dispõem sobre os alertas que devem constar das embalagens, não tratam de publicidade.