O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) publicou no final de dezembro o seu periódico anual com seleção de decisões definitivas relacionadas a marcas. O periódico foi dividido em sete temas, dentre os quais ressaltamos os mais relevantes abaixo:
I. Liceidade do sinal marcário
A liceidade diz respeito à licitude do sinal marcário como um todo. As decisões do INPI tiveram como fundamento o artigo 124, I, da Lei de Propriedade Industrial, Lei nº 9.279/1996 (LPI), o qual dita que não são registráveis como marca: “brasão, armas, medalha, bandeira, emblema, distintivo e monumento oficiais, públicos, nacionais, estrangeiros ou internacionais, bem como a respectiva designação, figura ou imitação”.
Em sede de julgamento de recurso contra o indeferimento da marca “Liberty Seguros”, nº 827661746, o INPI fixou entendimento de que é possível o registro como marca de “representação gráfica de monumento oficial ou público (...) desde que suficientemente estilizada”.
Apesar de a marca “Liberty Seguros” possuir como parte de seu conjunto marcário a Estátua da Liberdade, seus traços são suficientemente distintos do monumento original e estilizados, de modo a haver apenas remissão à ideia de liberdade. Assim, a decisão de indeferimento foi reformada.
Enquanto isso, no julgamento do processo administrativo de nulidade da marca “CASA CAVÉ”, nº 828293015, firmou-se entendimento de que tombamento de edifício não inviabiliza o registro de sua denominação como marca por terceiro – entendimento este alinhado com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o qual determina que tombamento não repercute na esfera comercial, como de registro de marca.
II. Distintividade do sinal marcário
A distintividade do sinal marcário se refere à capacidade da marca de distinguir o objeto por ela assinalado, de maneira que seja possível sua individualização de outros de mesmo gênero, natureza ou espécie.
A marca “CROSSFIT”, nº 903046261, havia sido indeferida com base em seu caráter descritivo para identificar prática esportiva específica. Não obstante, em sede de julgamento do recurso contra indeferimento, o INPI constatou que a marca em análise se refere a termo adotado pelo criador deste método de treinamento, o qual é fundador da empresa titular de diversos registros da marca “CROSSFIT” pelo mundo.
Assim, o INPI entendeu que a marca “CROSSFIT” é, na verdade, marca internacionalmente reconhecida, a qual pode ser registrada no Brasil, de modo a afastar a proibição do artigo 124, VI, da LPI.
III. Veracidade do sinal marcário
A veracidade do sinal marcário se relaciona à proibição de registro de sinal enganoso quanto à origem, procedência, natureza, finalidade ou utilidade dos produtos ou serviços que ele visa assinalar, na forma do artigo 124, X, da LPI.
Em julgamento de processo administrativo de nulidade da marca “THE LINE RESTAURANTE E CHAMPANHARIA”, nº 900326760, o INPI reiterou a irregistrabilidade de termos derivados de indicação geográfica, no caso relacionada ao termo “CHAMPANHARIA”. Isto porque “CHAMPAGNE” é uma indicação geográfica devidamente registrada perante o INPI para identificar “vinhos espumantes provenientes da região de Champagne, França”.
Neste sentido, o uso de registro de indicação geográfica é restrito a produtores e prestadores de serviço estabelecidos no local da indicação geográfica, conforme artigo 182 da LPI.
Assim, com base no exposto acima, o INPI declarou a nulidade parcial da marca “THE LINE RESTAURANTE E CHAMPANHARIA” determinando a exclusão do termo CHAMPANHARIA.
IV. Disponibilidade do sinal marcário
O requisito de disponibilidade é uma das condições fundamentais para que haja a outorga de direitos marcários, de maneira que o sinal deve estar livre para poder ser apropriado. Nesse sentido, tal disponibilidade jurídica não se limita à constatação da existência de registro anterior: o sinal não pode encontrar óbice em outro sinal distintivo protegido a qualquer título, e não apenas por aqueles amparados pela LPI.
Em sede de julgamento de processo administrativo de nulidade, o INPI entendeu que a marca “BICHOBOOK”, nº 830920005, seria semelhante à marca de alto renome “FACEBOOK”. Isso se deu não apenas devido à reprodução do termo “BOOK”, mas também por causa do significado dos termos “FACEBOOK” (livro de rostos) e “BICHOBOOK” (livro de bichos), fato que poderia levar os consumidores a incorretamente concluir que tais marcas são pertencentes à mesma família de marcas, possuindo uma origem comum.
Nessa perspectiva, tal vínculo poderia ocasionar o denominado free riding (efeito carona). Este fenômeno concorrencial caracteriza-se por ser o efeito observado quando um indivíduo adquire um benefício pelo qual ele não pagou.
Portanto, concluiu-se que a associação indevida com marca de alto renome poderia conferir à marca “BICHOBOOK” vantagem concorrencial injusta perante terceiros no segmento de redes sociais, como também poderia causar prejuízo e/ou má reputação à marca “FACEBOOK”. Por estes motivos, o processo administrativo de nulidade foi julgado procedente e o registro foi anulado.
Enquanto isso, no julgamento do processo administrativo de nulidade da marca “Mc Kenna”, nºs 821132890, 821132911, 821132920 e 821132903, ficou constatado que no caso havia um desgaste das expressões “MAC” e “MC” para compor marcas que identificam serviços de alimentação. Além disso, tais termos são habituais em certas regiões, dado que são provenientes do idioma gaélico e seu uso se dava a fim de identificar clã proveniente de uma mesma região ou família.
Nesse sentido, o INPI decidiu sobre a possibilidade de coexistência da marca “Mc Kenna” com a marca de alto renome “Mc Donalds”, entendendo que os conjuntos marcários seriam suficientemente distintos, inexistindo possibilidade de confusão ou associação indevida pelo público consumidor.
V. Caducidade de registro de marca
Um registro de marca torna-se passível de caducidade (extinção pelo não uso ou uso de forma distinta daquela que foi registrada – ex.: logotipo distinto, serviços/produtos diferentes daqueles abarcados pelo registro da marca) após o 5º ano de vigência do registro de marcas. O pedido de caducidade pode ser apresentado por qualquer terceiro interessado, cabendo ao titular da marca apresentar documentos comprovando a utilização da marca, ou o seu desuso de maneira justificada, pelo período de 5 (cinco) anos contados da data do pedido de caducidade.
Neste sentido, no julgamento do recurso contra o deferimento da petição de pedido de caducidade do registro da marca “PCWORLD”, nº 816817022, o INPI entendeu que: “A utilização de marca em forma de apresentação sutilmente diferente, observada a manutenção do caráter distintivo da marca originalmente registrada, não impede o acolhimento das provas de uso para o afastamento de pedido de caducidade”.
O examinador originalmente havia deferido o pedido de caducidade, pois entendeu que documentação probatória teria demonstrado a utilização da marca com alteração quanto à formatação gráfica da letra “O”. Ao interpor o recurso, a titular informou ter feito uso da marca durante o período de investigação com alteração sutil em sua forma mista de apresentação, o que não violaria a legislação em vigor.
Nesse sentido, em análise recursal restou entendido que a constatação de uso de marca com ínfima modificação de forma de apresentação em relação à marca registrada não tipifica alteração do caráter distintivo da marca, o que impede a declaração de caducidade do registro de marca. Assim sendo, foi provido o recurso para que fosse indeferido o pedido de caducidade do registro da marca.