Presidente da República sanciona parcialmente o PL nº 4.458, de 2020, que modifica a Lei de Recuperação de Empresas e Falência

Publicado em 28 de Dezembro de 2020 em Boletins

Reestruturação e Recuperação de Empresas

O presidente da República sancionou, em 24/12/2020, com alguns vetos a determinados dispositivos, o Projeto de Lei nº 4.458, de 2020 (nº 6.229/2005, na Câmara dos Deputados), que altera a Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falências).

Os dispositivos sancionados entrarão em vigor após decorridos 30 dias de sua publicação no Diário Oficial. A nova redação sancionada será aplicada de imediato aos processos pendentes – com exceção de alguns dispositivos, como a possibilidade de apresentação de plano alternativo pelos credores.

As razões do veto foram encaminhadas ao Congresso Nacional. O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos deputados federais e senadores. Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao presidente da República.

Algumas das principais alterações são as seguintes:

  • Recuperação judicial
  1. Stay period: o período de suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor e atos de constrição patrimonial de 180 (cento e oitenta) dias, contados do deferimento do processamento da recuperação, poderá ser prorrogável por igual prazo uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal.
     
  2. Bem essencial: o juízo da recuperação é o competente para determinar a suspensão de atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial, oriundos de execuções fiscais, inclusive.
     
  3. Apresentação de plano alternativo pelos credores: os credores poderão apresentar proposta alternativa ao plano apresentado pelo devedor: (a) na hipótese de, decorrido o prazo do stay period, não ter havido deliberação acerca do plano, ou (b) para substituir plano rejeitado em Assembleia Geral de Credores (AGC), desde que não seja possível o cram down, caso em que o administrador judicial abrirá votação para a possibilidade de apresentação de plano alternativo, no prazo de 30 dias. O plano alternativo deverá: (i) conter discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados, (ii) ter apoio por escrito de credores que representem, alternativamente, mais de 25% dos créditos totais sujeitos à recuperação judicial ou mais de 35% dos créditos dos credores presentes à assembleia; (iii) liberar as garantias prestadas por coobrigados; (iv) não impor ao devedor ou aos seus sócios sacrifício maior do que aquele que decorreria da liquidação na falência; (v) não imputar obrigações novas, não previstas em lei ou em contratos anteriormente celebrados, aos sócios do devedor.
     
  4. DIP Finance: o juiz poderá, depois de ouvido o comitê de credores, caso haja sido constituído, autorizar a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante do devedor, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos. A posterior modificação da decisão em grau de recurso não poderá alterar sua natureza extraconcursal ou da garantia constituída, caso o valor já tenha sido desembolsado. Além disso, o valor entregue pelo financiador ao devedor em recuperação judicial, na qualidade de crédito extraconcursal, ocupa a 2ª (segunda) posição na ordem de preferência para pagamento.
     
  5. Alienação de UPIs: é expressamente autorizado: (i) o leilão eletrônico, presencial ou híbrido; (ii) o processo competitivo organizado, promovido por agente especializado ou qualquer outro meio admitido pelo Juízo. A alienação de bens ou outorga de garantia não poderá ser anulada após a consumação do negócio jurídico.
     
  6. Consolidação processual e substancial: os devedores que atenderem aos requisitos previstos pelo artigo 48 da Lei de Recuperação de Empresas e Falência e que integrem grupo sob controle societário comum poderão requerer recuperação judicial sob consolidação processual. No que se refere à consolidação substancial, o juiz poderá, a título excepcional, independentemente de realização de AGC, autorizá-la, desde que constatadas a interconexão e a confusão entre ativos ou passivos dos devedores, de modo que não seja possível identificar a sua titularidade sem excessivo dispêndio de tempo ou de recursos, além de outros requisitos legais.
     
  7. Insolvência transnacional: o Brasil passa a adotar o texto da lei modelo da UNCITRAL, aprofundando a cooperação internacional (capítulo VI-A) e regulando a cooperação entre juízes e autoridades nacionais e estrangeiras, em caso de insolvência transnacional, a exemplo do que já ocorre nos EUA (Chapter XV do Bankruptcy Code) e de outros países, como Grã-Bretanha, Canadá, Austrália, Singapura, entre outros. De acordo com tais normas, o juiz poderá comunicar-se diretamente com autoridades estrangeiras ou com representantes estrangeiros, ou deles solicitar informação e assistência, sem a necessidade de expedição de cartas rogatórias, de procedimento de auxílio direto ou de outras formalidades semelhantes. Além disso, os novos dispositivos permitem expressamente que credores estrangeiros participem de processos de insolvência no Brasil em igualdade de condições, bem como criam um procedimento de reconhecimento, no Brasil, de processos estrangeiros de cunho coletivo relativos a insolvência, permitindo que os ativos do devedor localizados no Brasil e interesses dos credores sejam protegidos concomitantemente ao desenvolvimento do procedimento no exterior. Dentre outros efeitos, o reconhecimento pelo juiz brasileiro do processo estrangeiro tido como principal (onde se encontra o principal centro de interesses do devedor) acarretará de forma automática a suspensão do curso de quaisquer processos de execução ou de quaisquer outras medidas individualmente tomadas por credores relativas ao patrimônio do devedor (“stay period”), podendo o juiz adotar, ainda, outras medidas de natureza acautelatória visando proteger os bens dos devedores e interesses dos credores, seja em processos estrangeiros qualificados como principal ou não principal.
     
  8. Distribuição de lucros ou dividendos: é vedado ao devedor, até a aprovação do plano de recuperação judicial, realizar distribuição de lucros ou dividendos a sócios e acionistas, em observância às normas que regulam a fraude contra credores.
     
  9. Competência da Assembleia Geral de Credores (AGC): a AGC terá competência para deliberar sobre a alienação de bens ou direitos do ativo não circulante do devedor, não prevista no plano de recuperação judicial.
     
  10. Voto abusivo: O voto do credor, em sede de AGC, será exercido no seu interesse e de acordo com o seu juízo de conveniência, podendo ser declarado nulo por abusividade somente quando manifestamente exercido para obter vantagem ilícita para si ou para outrem.
     
  11. Conversão em equity: a conversão da dívida em capital social passa a ser citada expressamente como meio de recuperação judicial. A lei prevê que não haverá sucessão ou responsabilidade por dívidas de qualquer natureza a terceiro credor, investidor ou novo administrador em decorrência, respectivamente, da mera conversão de dívida em capital, de aporte de novos recursos na devedora ou de substituição dos administradores desta.
     
  12. Venda integral da recuperanda: desde que garantidas aos credores não submetidos ou não aderentes condições equivalentes àquelas que teriam na falência, a recuperanda será considerada uma UPI.
     
  13. Tratamento diferenciado aos credores fornecedores: O plano de recuperação judicial poderá prever tratamento diferenciado aos créditos pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial, desde que tais bens ou serviços sejam necessários para a manutenção das atividades, e que o tratamento diferenciado seja adequado e razoável no que concerne à relação comercial futura.
     
  14. Produtor rural: a regularidade da atividade rural por pessoa jurídica poderá ser comprovada por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou de obrigação de registros contábeis que venha a substituir a ECF, que tenha sido entregue tempestivamente, desde que feita pelos dois anos exigidos pela norma. Caso o produtor rural seja pessoa física, a comprovação pode se dar com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente. Somente estarão sujeitos a recuperação judicial os créditos que decorram exclusivamente da atividade rural e estejam discriminados nos documentos acima mencionados.
     
  15. Derivativos: o pedido de recuperação judicial não afetará o exercício dos direitos de vencimento antecipado e de compensação no âmbito de operações compromissadas e de derivativos, de modo que essas operações poderão ser vencidas antecipadamente, desde que assim previsto nos contratos celebrados entre as partes ou em regulamento. Estão proibidas medidas que impliquem a redução, sob qualquer forma, das garantias ou de sua condição de excussão, a restrição do exercício de direitos, inclusive de vencimento antecipado por inexecução, e a compensação previstas contratualmente ou em regulamento.
     
  16. Mediação: foram incluídos dispositivos buscando incentivar a conciliação e a mediação, em qualquer grau de jurisdição. Tais formas de composição são, inclusive, admitidas de forma antecedente à recuperação judicial, hipótese em que as empresas que preencham os requisitos legais para requerer recuperação judicial poderão obter tutela de urgência cautelar, a fim de que sejam suspensas as execuções (stay period) contra elas propostas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, para tentativa de composição com seus credores. Caso seja requerida a recuperação judicial pela devedora, o prazo será descontado do stay period. Além disso, é vedada a conciliação e a mediação sobre a natureza jurídica e classificação de créditos concursais, bem como sobre critérios de votação em AGC.
     
  17. Parcelamento de débitos tributários: a redação aprovada propõe a extensão do atual parcelamento de débitos tributários de 84 para 120 parcelas, sendo mantido o racional de que as primeiras parcelas serão inferiores às remanescentes. De acordo com a lei, as parcelas serão assim calculadas: (i) da primeira à décima segunda prestação: cinco décimos por cento; (ii) da décima terceira à vigésima quarta prestação: seis décimos por cento; e (iii) da vigésima quinta prestação em diante, aplicar-se-á um percentual correspondente ao saldo remanescente, em até noventa e seis prestações mensais e sucessivas. Alternativamente, a legislação permite que os débitos tributários administrados pela Receita Federal do Brasil (RFB) sejam adimplidos mediante a liquidação até 30% (trinta por cento) do valor atualizado à vista, e o parcelamento do remanescente em 84 vezes. Essa liquidação inicial pode ser feita mediante a compensação com prejuízo fiscal, base negativa de CSLL e créditos tributários federais. Nas parcelas remanescentes, o cálculo seguirá as alíquotas progressivas nos exatos termos aplicáveis ao parcelamento em 120 vezes. Essas formas de parcelamento não são aplicáveis a um número limitado de tributos (listados no artigo 14 da Lei nº 10.522/2002). Nesses casos, a redação permite que tais débitos sejam adimplidos em até 24 vezes, nos seguintes termos: (i) da primeira à sexta prestação: três por cento; (ii) da sétima à décima segunda prestação: seis por cento; e (iii) da décima terceira prestação em diante, aplicar-se-á um percentual correspondente ao saldo remanescente, em até doze prestações mensais e sucessivas.
     
  18. CND à contratação com empresas públicas: é expressamente previsto que as empresas em recuperação judicial estarão desobrigadas de apresentar CND para promover contratações, inclusive com o Poder Público.
  • Falência
  1. Extensão da falência: é vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar em observância ao Código Civil e Código de Processo Civil. A instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica não implica em suspensão do processo principal.
     
  2. Fresh start: foram incluídas significativas alterações em relação ao procedimento falimentar, visando tornar mais célere o processo de arrecadação, venda de ativos e pagamento dos credores, com especial destaque para a reabilitação do falido para nova atividade empresarial (fresh start).
  • Recuperação extrajudicial
  1. Sujeição dos créditos trabalhistas: A sujeição dos créditos oriundos de acidentes de trabalho exige negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional.
     
  2. Redução do quórum de aprovação: O devedor poderá requerer a homologação do plano de recuperação extrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais da metade dos créditos de cada espécie.
     
  3. Stay period: é aplicado na recuperação extrajudicial exclusivamente em relação às espécies de crédito por ele abrangidas.

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