CVM edita resolução que moderniza a indústria de fundos de investimento no Brasil e que a coloca em posição mais próxima aos pares internacionais
Aguardado pelo mercado, o novo marco regulatório dos fundos de investimento no Brasil foi finalmente publicado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nesta sexta-feira, (23/12/2022), por meio da Resolução da CVM nº 175 (RCVM175).
A nova resolução consolida, em uma única norma, as inovações trazidas pela Lei nº 13.874, de 2019 (Lei da Liberdade Econômica, ou LLE), pedidos de modernização regulatória para uma indústria superlativa que se sofisticou nas últimas décadas, assim como com o entendimento do Colegiado da CVM em diversos assuntos relacionados à indústria de fundos de investimento ao longo dos anos.
A RCVM175 engloba uma parte geral, com regras aplicáveis a todos os fundos de investimento, e anexos normativos, que regularão as particularidades de cada tipo de fundo. Neste primeiro momento, a RCVM175 foi concebida com dois anexos: um referente aos fundos de investimentos financeiros (FIF) (até então regulados pela Instrução CVM 555) e outro referente aos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) (até então regulados pela Instrução CVM 356). A expectativa é de que os demais fundos de investimento, em especial os fundos de investimento imobiliários e os fundos de investimento em participações, tenham seus respectivos anexos normativos inseridos na norma ainda no início de 2023.
Listamos abaixo os principais pontos de destaques da norma:
Limitação de responsabilidade dos cotistas
Até então prevista apenas em situações legais específicas, a extensão da possibilidade de limitação de responsabilidade dos cotistas a todos os fundos de investimento, conforme prevista na LLE, é, agora, disciplinada na RCVM175. Os fundos de investimento que limitem a responsabilidade dos cotistas ao valor por eles subscrito deverão acrescer à denominação do fundo o sufixo “Responsabilidade Limitada”. Caso o regulamento não limite a responsabilidade do cotista, os cotistas respondem por eventual patrimônio líquido negativo, sem prejuízo da responsabilidade do prestador de serviço pelos prejuízos que causar quando proceder com dolo ou má-fé.
Possibilidade de múltiplas classes de cotas, subclasses e segregação patrimonial
Separação Patrimonial. Em linha com a inovação trazida pela LLE, a RCVM175 passa a regrar a possibilidade de existência de diferentes classes de cotas, com direitos e obrigações distintos. Como grande ponto de destaque, os fundos com diferentes classes de cotas deverão constituir patrimônio segregado para cada classe de cotas, trazendo à indústria de fundos brasileira o conceito de segregated portfolio, largamente utilizado em outras jurisdições. Espera-se que a possibilidade de diferentes classes de cotas e patrimônios separados dentro de um mesmo veículo contribua para a redução de custos de estruturação e manutenção dos fundos com tais características.
Categorização. Considerando que os fundos de investimento tributam rendimentos ou ganhos decorrentes de investimentos em fundos em função de sua categoria (não em classes de cotas), a RCVM175 adotou sistemática de atribuir uma única categoria ao fundo de investimento e exigir que as classes pertençam à referida categoria. Houve clara preocupação, pela CVM, com potenciais adversidades tributárias que seriam geradas caso tivesse sido permitida a coexistência de diferentes categorias dentro de um mesmo fundo de investimento.
Subclasses de Cotas. A RCVM175 permite a criação de subclasses de cotas. Como regra geral, as subclasses de cotas deverão possuir as características previstas na RCVM175 (público-alvo, prazos e condições de aplicação, amortização e resgate, e taxas de administração, gestão, máxima de distribuição, ingresso e saída), sendo que os anexos normativos poderão complementar a parte geral. Ademais, a CVM também esboçou preocupação quanto à criação de classes híbridas, vedando esse tipo de estrutura, a fim de evitar a coexistência de subclasses abertas e fechadas, o que levaria à aplicação de sistemas tributários diferentes na mesma classe de cotas além de, segundo a CVM, poder criar uma possibilidade de transferência de riqueza entre cotistas.
Prestadores de serviços
A RCVM175 reforça a relevância das figuras do administrador e gestor do fundo, caracterizando-os como “prestadores de serviços essenciais”. A norma traz, também, maiores responsabilidades aos gestores enquanto estruturadores dos FIDC e verificadores dos lastros dos respectivos direitos creditórios. Outra grande demanda do mercado que foi endereçada pela RCVM175 foi a não solidariedade entre administrador e gestor no âmbito do exercício de suas funções exceto no que se refere ao gerenciamento de liquidez, conforme pontuado mais adiante neste Boletim.
Fundos socioambientais
A CVM mostrou-se atenta à agenda ASG (ambiental, social e de governança) e, sem entrar em discussões de taxonomia, estabeleceu na RCVM175 critérios mínimos para que fundos de investimento tenham em sua denominação referência a fatores ambientais, sociais e de governança. Fundos cuja política de investimento integre fatores ambientais, sociais e de governança às atividades relacionadas à gestão da carteira, mas não busquem originar benefícios socioambientais, não poderão fazer referências a tais fatores em sua denominação.
Criptoativos
Os criptoativos passam a ter uma definição expressa na nova norma, tendo sido finalmente inseridos no rol de ativos financeiros elegíveis por parte dos fundos de investimento. Há, portanto, previsão para que a negociação, seja ela realizada no Brasil ou exterior, seja realizada por instituições autorizadas por órgãos reguladores financeiros (garantindo negociações em ambientes regulados). Por outro lado, o conceito de criptoativo ainda não abrange ativos financeiros e valores mobiliários que estejam representados por tokens.
Créditos de carbono
Os Creditos de Carbono também passam a ser definidos e elencados na RCVM175 como ativos financeiros elegíveis. Por ora, foram previstos na regulamentação a aplicação das classes de cotas em ativos ambientais que já estejam previstos no ordenamento jurídico brasileiros, como os Créditos de Descarbonização – CBIO e os créditos de carbono, com a ressalva de que estes sejam registrados também em sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizado pela CVM e Banco Central do Brasil ou negociados em mercado administrado por entidade administradora de mercado organizado autorizado pela CVM. Isto representa, portanto, o início de uma longa jornada em relação aos chamados “ativos ambientais”.
Governança
Com a finalidade de conferir maior celeridade a determinadas ações no âmbito dos fundos de investimento, a RCVM175 passa a permitir que algumas matérias sejam disciplinadas nos regulamentos, independentemente das categorias dos fundos. Estas matérias incluem, por exemplo, dação de ativos em garantia de operações da carteira em classes para investidores qualificados, emissão de novas cotas da classe fechada, definição do preço de emissão da cota de classe fechada, definição da conferência de direito de preferência na emissão de cotas da classe fechada, e estabelecimento de side-pocket no gerenciamento de iliquidez excepcional.
Gerenciamento de liquidez
Outro ponto relevante da RCVM175 é atribuição da responsabilidade conjunta entre administrador e gestor, na qualidade de prestadores de serviços essenciais, observadas as atribuições individuais de cada, na adoção de políticas internas e controles efetivos para a gestão de liquidez dos fundos. A exigência de responsabilidade conjunta, nesse caso, ocorre pela complementariedade das atividades de ambos os prestadores para a consecução do objetivo final de proteção aos cotistas. De toda a forma, permanece a flexibilidade negocial entre administrador e gestor para delimitarem a responsabilidade de cada qual no âmbito das suas atividades.
Omissão de composição de carteiras
Em caráter experimental, a RCVM175 conta com dispositivo que atualiza as referências da Resolução CVM 172, norma que prevê, em caráter experimental, a possibilidade de que determinados fundos de ações omitam, por até 180 dias, a composição de suas carteiras, sem a necessidade de prévia autorização da CVM.
Insolvência dos fundos de investimento
Talvez um dos aprimoramentos mais aguardados pela indústria em geral, a regulamentação da insolvência dos fundos de investimentos trazida pela LLE foi, agora, coberta pela RCVM175. Os cotistas contarão com mecanismos para deliberar nas hipóteses de patrimônio líquido negativo dos fundos, sendo uma das possibilidades o pedido de insolvência. O pedido de insolvência dos fundos poderá partir de iniciativa dos cotistas, em assembleia geral, o administrador e a própria CVM nos casos estabelecidos na norma. Além disso, o pedido de insolvência abrange apenas a classe de cotas cujo pedido tenha sido realizado, sendo certo que em razão dos patrimônios separados, as demais classes de cotas do fundo não comunicam com o pedido da classe que se encontra em insolvência.
Investimento no exterior
A CVM flexibilizou, no novo regramento, os investimentos dos fundos locais no exterior. Foi mantida, porém, a capacidade de supervisão dos prestadores de serviço locais. Ou seja, abre-se a possibilidade de que fundos locais, destinados a investidores de varejo, possam alocar até 100% do seu Patrimônio Líquido no exterior. Na regra atual, ainda em vigor, o limite é de 20%.
Insider trading
A RCVM175 conta, como novidade, regras gerais relacionadas ao uso de informação privilegiada.
FIDCs e FIDCs para varejo
Como era esperado e pleiteado pela indústria de fundos, a RCVM 175 finalmente passa a prever a criação do FIDC de varejo. Ou seja, este tipo de fundo que na regra atual se destina somente ao investidor qualificado, passa a ser ofertado ao varejo desde que algumas características e critérios sejam atendidos (ex: destinadas às cotas Seniores inicialmente). Além disso, o FIDC Não Padronizado deixa de existir, sendo que a nova regra de FIDCs passa agora a englobar, no mesmo texto, os ativos previstos na CVM n. 444. Os cedentes de direitos creditórios passam a poder subscrever as cotas livremente, sem estar restritos à determinada classe de cota. Ficou de fora, porém, a possibilidade de um FIDC investir em Direitos Creditórios localizados no exterior.
Vigência, período de adaptação e revogações
Vigência – regra geral
A RCVM 175 entrará em vigor em 3 de abril de 2023.
Vigência – prazos especiais
As disposições relativas à taxa máxima de distribuição, que passam a ser exigidas no regulamento, entrarão em vigor em 1º de outubro de 2023.
As disposições relativas à possibilidade de os fundos possuírem diferentes classes e subclasses de cotas entram em vigor em 1º de abril de 2024.
As disposições referentes ao estabelecimento de limites para os FIF em relação à exposição a risco de capital entram em vigor em 1º de outubro de 2023.
Período de adaptação
Com exceção dos FIDC, os fundos de investimento que estejam em funcionamento na data de início da vigência da norma devem adaptar-se integralmente RCVM157 até 31 de dezembro de 2024. Já o período de adaptação dos FIDC à nova norma encerra-se mais cedo, em 31 de dezembro de 2023.
Revogações
A RCVM175 é fruto de um extenso trabalho da CVM na atualização e consolidação do arcabouço infralegal da indústria de fundos de investimento. A RCVM175 revoga diversas outras normas, dentre elas a Instrução CVM 356 (FIDC), a Instrução CVM 444 (FIDC-NP), a Instrução CVM 472 (FII), a Instrução CVM 555 (Fundos em Geral) e a Instrução CVM 578 (FIP).