COVID-19 | Data Privacy - MP nº 983: assinaturas eletrônicas

Publicado em 18 de Junho de 2020 em Boletins

Publicada Medida Provisória que dispõe sobre assinaturas eletrônicas - texto atualizado em 18/06 às 16h23

Foi publicada em 16 de junho de 2020 a Medida Provisória (MP) nº 983, que dispõe sobre as assinaturas eletrônicas em comunicações com entes públicos, bem como em questões de saúde e sobre o licenciamento dos sistemas de informação e de comunicação desenvolvidos ou cujo desenvolvimento seja contratado por entes públicos.

O termo “assinatura eletrônica” é amplo e utilizado como gênero para identificar diferentes conjuntos de dados que permitem assegurar a integridade e identidade de quem criou determinado documento digital. Há diversas espécies, como, por exemplo, a assinatura por token, senha alfanumérica, código de segurança e a assinatura digital.

Nos termos da MP em referência, foram agora definidas três categorias de assinaturas eletrônicas[1]:

  1. Assinatura eletrônica simples: permite, de forma simplificada, a identificação do signatário, anexando ou associando dados a outros dados do signatário em formato eletrônico;
  2. Assinatura eletrônica avançada: permite a identificação do signatário de forma unívoca, utilizando dados de forma a conferir elevado nível de confiança e permitindo a operação do signatário sob o seu exclusivo controle, bem como a detecção de qualquer modificação posterior sem que seja necessário utilizar um certificado digital homologado por uma instituição autorizada pela ICP-Brasil;
  3. Assinatura eletrônica qualificada: é a chamada assinatura digital, que utiliza certificado digital fornecido por instituição certificadora, nos termos da Medida Provisória nº 2.200-2/2001.

De acordo com o art. 3º da MP nº 983/2020, cada ente público deverá estabelecer o nível mínimo exigido para a assinatura eletrônica em documentos e transações em interações sob o seu âmbito. No entanto, algumas regras são postas, como por exemplo:

  1. a assinatura simples não poderá ser admitida nas interações com ente público que envolvam informações protegidas por grau de sigilo; e
  2. a assinatura eletrônica qualificada deve ser obrigatoriamente utilizada: (i) nos atos de transferência e de registro de bens imóveis; (ii) nos atos normativos assinados por chefes de Poder, por ministros de Estado ou por titulares de Poder ou de órgão constitucionalmente autônomo de ente federativo; (iii) e nas demais hipóteses previstas em lei.

O normativo (i) não é obrigatório em todas as hipóteses de interação com pessoas naturais ou jurídicas; e (ii) não se aplica aos processos judiciais, aos sistemas de ouvidoria dos entes públicos, tampouco às comunicações nas quais seja permitido o anonimato ou deva se dar garantia de preservação de sigilo da identidade do particular, entre outras hipóteses[2].

Especificamente no que toca ao período de emergência de saúde pública decorrente da atual pandemia, a MP autorizou que, com vistas a reduzir contatos presenciais, os entes públicos prevejam requisitos distintos. A exceção, contudo, não se aplica ao uso obrigatório da assinatura eletrônica qualificada, quando expressamente previsto em lei.

Importante destacar que o tema já era tratado pela MP nº 2.200-2/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e que em seu art. 10, § 1º[3] estabelece a presunção de veracidade de forma expressa apenas para a assinatura digital, produzida com a utilização dos processos de certificação da ICP-Brasil.

Desse modo, nas comunicações realizadas entre entes públicos e entre pessoas físicas e jurídicas com os entes públicos, para finalidade de fé pública, aceitava-se, sem questionamento, apenas a assinatura digital. Ocorre que essa ferramenta tem um alto custo associado, o que torna a assinatura digital pouco acessível.

A novidade da MP nº 983 está, então, na ampliação dos tipos de assinatura eletrônica aceitos nas interações com os entes públicos. Isso permitirá que as comunicações sejam feitas de forma mais célere e desburocratizada, além de mais simples e acessível aos cidadãos, que, por exemplo, poderão utilizar a assinatura eletrônica avançada para o registro de atos perante as juntas comerciais.

Além disso, a MP nº 983 estabelece que o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) poderá atuar para além de sua função fiscalizatória e certificadora já antes prevista pela MP nº 2.200-2/2001. Pela MP de ontem, ele também poderá realizar pesquisas; executar atividades operacionais; prestar serviços no âmbito dos entes públicos abrangidos pela nova MP[4]; fornecer assinaturas eletrônicas avançadas a pessoas naturais e pessoas jurídicas para uso nos sistemas dos entes públicos; bem como editar normas dentro do seu escopo[5].

Suas atividades também estarão relacionadas “à criptografia, às assinaturas e identificações eletrônicas e às tecnologias correlatas, inclusive àquelas relativas às assinaturas eletrônicas simples e avançadas”[6].

É inegável a contribuição da MP nº 983/2020 para as recomendações atuais de isolamento e de distanciamento social. Além dessa simplificação na comunicação com os órgãos públicos, ela trouxe outro benefício: prevê que documentos subscritos por profissionais de saúde sejam válidos para todos os fins quando assinados por assinatura eletrônica avançada ou qualificada, desde que de acordo com os requisitos estipulados por Ato do Ministro de Estado da Saúde ou da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)[7].

Ela ainda estabelece que, salvo as exceções previstas[8], os sistemas de informação e de comunicação desenvolvidos ou cujo desenvolvimento seja contratado pelos entes públicos devam ser regidos por licença de código-aberto, permitindo a sua utilização, cópia, alteração e distribuição sem restrições por todos os outros órgãos e entidades públicas abrangidos pelo normativo. Nesse sentido, a utilização de licença de código-aberto contribuirá para a diminuição dos custos para a obtenção dos sistemas de informação e comunicação.

Há ainda alguns pontos de dúvida na MP nº 983/2020, como, por exemplo, se embora as novas regras para a assinatura eletrônica não sejam aplicadas aos processos judiciais eletrônicos, os Tribunais poderão utilizar os novos moldes da assinatura eletrônica em suas comunicações internas e interações com outros órgãos públicos que não sejam relacionadas a processos judiciais.

Além disso, tendo em vista que cada ente público poderá estabelecer quais assinaturas eletrônicas serão aceitas em suas interações, questiona-se se o uso das assinaturas simples e avançadas será mesmo efetivo, ou se os entes públicos dificultarão seu uso. Há também a incerteza sobre a aprovação da MP no Congresso, que ainda deverá apreciar se ela será convertida em lei ou não.

Ainda assim, é certo que a publicação da referida MP deixa claro o caminho da política pública brasileira: democratização do exercício da cidadania por meio digital, com a modernização e desburocratização dos entes públicos. Não há mais escapatória: a tecnologia estará cada vez mais presente nas relações, seja para simplificar e agilizar, seja para garantir a segurança e confiabilidade necessárias.

 

 

[1] Conforme art. 2º da Medida Provisória nº 983/2020.

[2] Além das hipóteses já mencionadas, o art. 1º, parágrafo único, da Medida Provisória nº 983/2020 estabelece que o referido normativo também não se aplica à comunicação na qual seja dispensada a identificação do particular e aos programas de assistência a vítimas e a testemunhas ameaçadas.

[3]Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.

§ 1o As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 - Código Civil.

[4] Órgãos e entidades da administração direta, autárquica e fundacional dos Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos dos entes federativos.

[5] Conforme art. 5º, parágrafo único, da MP nº 983/2020.

[6] Conforme art. 5º, caput, da MP nº 983/2020.

[7] Nesse sentido, o art. 11 da MP nº 983/2020 revogou o art. 35, caput, “a”, “b”, “c” e parágrafo único, da Lei nº 5.991/1973.

[8] Nos termos do art. 8º, § 2º, da MP nº 983, não ficam sujeitos à licença de código aberto:

I - os sistemas de informação e de comunicação cujo código fonte possua restrição de acesso à informação, nos termos do disposto no Capítulo IV da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011;

II - os dados armazenados pelos sistemas de informação e de comunicação;

III - os componentes de propriedade de terceiros; e

IV - os contratos de desenvolvimento de sistemas de informação e de comunicação que tenham sido firmados com terceiros antes da data de entrada em vigor desta Medida Provisória e que contenham cláusula de propriedade intelectual divergente do disposto no caput – o qual estipula a licença de código-aberto.