Contratos de Transferência de Tecnologia: Novas Regulamentações e Entendimentos

Publicado em 30 de Janeiro de 2023 em Boletins

O final de dezembro de 2022 trouxe algumas novidades legislativas, tais como a Nova Lei Cambial nº 14.286/2021 e a Medida Provisória (MP) nº 1.152/2022, as quais trazem novas regras tributárias, bem como impactam diretamente o procedimento de averbação de contratos de transferência de tecnologia perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

Da mesma forma, no final do ano passado, a Presidência do INPI manifestou-se em Ata de Reunião em relação a possíveis mudanças nas regras de análise e averbação de contratos de tecnologia pelo INPI, como será exposto neste boletim.

 

  1. Novo Marco Cambial – Lei nº 14.286/2021

 

A nova Lei Cambial, que entrou em vigor no dia 30 de dezembro de 2022, é considerada um marco legal do mercado de câmbio e traz mais modernidade através de mudanças que buscam mais flexibilização nesse setor.

No âmbito da propriedade intelectual e dos contratos de transferência de tecnologia, essa nova lei altera regras sobre a remessa internacional de royalties e a prestação de informações ao Banco Central do Brasil (BACEN).

Uma importante (e esperada) alteração trazida pela lei é a extinção da obrigatoriedade de averbação de contratos de transferência de tecnologia perante o INPI e o Banco Central (BACEN) para efeitos de autorização da remessa ao exterior de pagamentos a título de royalties, bastando para tais fins apenas a prova de pagamento do imposto de renda devido[1]. Ou seja, a obrigatoriedade da averbação de contratos perante o INPI para fins de remessa de valores ao exterior fica revogada, e por ora mantida para fins de dedutibilidade das despesas com royalties.

Outra importante alteração que a lei trouxe foi a extinção da limitação do valor da remessa de royalties em contratos de transferência de tecnologia celebrados entre empresas do mesmo grupo econômico ou relacionadas. Assim, com esse novo entendimento, partes contratuais relacionadas podem negociar livremente os percentuais de royalties a serem remetidos ao exterior, sendo eliminado o teto trazido pela Portaria nº 436/1958 do Ministério da Fazenda, que sujeitava o valor da remessa entre partes relacionadas ao limite de dedutibilidade para efeitos do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).

Sobre esse ponto, é importante destacar que a Instrução Normativa nº 70, publicada pelo INPI em 2017, já trazia a posição do INPI de não mais examinar os contratos à luz da legislação fiscal, tributária e de remessa de capital ao exterior. Assim, as alterações trazidas pela nova Lei Cambial certamente demonstram um alinhamento de entendimento entre os órgãos governamentais quanto à necessidade de facilitar e promover os avanços tecnológicos, de desenvolvimento e de pesquisa no país. 

 

  1. Medida Provisória (MP) nº 1.152/2022

 

A MP nº 1.152, por sua vez, altera as regras de preços de transferência e converge para o padrão da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Possuirá aplicação obrigatória a partir de 2024 (se aprovada pelo Congresso Nacional, passo obrigatório para sua conversão em lei) e facultativa para o ano-calendário de 2023 (art. 46 da MP), o que deverá ser avaliado caso a caso. Nesse contexto, algumas das mudanças específicas para intangíveis são as seguintes:

 

  • Introdução do princípio “arm's length” em todas as operações sujeitas ao controle de preços de transferência, inclusive com intangíveis, de modo que operações entre empresa e sua relacionada sejam comparáveis com outras operações realizadas entre partes não relacionadas;

  • Foram revogados os antigos limites de dedutibilidade de royalties e pagamentos por assistência técnica previstos na já citada Portaria nº 436/1958 do Ministério da Fazenda (1%-5%)[2]. De acordo com a MP, tais pagamentos serão indedutíveis quando destinados a entidades em país ou dependência com tributação favorecida ou beneficiárias de regime fiscal privilegiado, bem como quando a dedução dos valores resultar em dupla não tributação, se os pagamentos ocorrerem entre partes relacionadas;

  • Abriu-se espaço para discussão da limitação do prazo de contratos de transferência de know-how por conta da revogação do art. 12 da Lei nº 4.131/1962, que limitava a dedutibilidade de despesas com know-how ao período máximo de 10 anos e embasava o entendimento originário do INPI de que tais contratos deveriam ter prazo limitado a 10 anos; e

  • Os royalties e transações com ativos intangíveis serão objeto de controle de acordo com as novas regras de preços de transferência. A respeito dos intangíveis, a MP veio detalhar o seu conceito para estabelecer que deve ser assim considerado o ativo que, independentemente de ser reconhecido contabilmente como tal, de ser passível de registro ou proteção legal, seja não tangível ou um ativo financeiro suscetível de ser detido ou controlado para uso nas atividades comerciais e cujo uso ou transferência seria remunerado caso a transação ocorresse entre partes não relacionadas. Além disso, há tratamento específico para os intangíveis de difícil valoração.

 

  1. INPI: alteração de entendimentos sobre contratos de transferência de tecnologia

 

No final de dezembro de 2022, em reunião de Diretoria do INPI sobre atualizações nas regras de registro e averbação de contratos de transferência de tecnologia, diversos pontos foram abordados e deliberados em relação a esse tema, os quais trazem alterações significativas para a análise e averbação de contratos dessa modalidade.

Em resumo, a Ata de Reunião convocada pela Presidência trouxe os seguintes entendimentos e possíveis alterações:

 

  1. Assinaturas digitais: Nos casos que envolvam assinaturas digitais por partes estrangeiras, fica dispensada a necessidade de notarização e apostila/legalização. Além disso, passam a ser admitidas assinaturas digitais fora do padrão ICP – Brasil, nos termos do entendimento da Medida Provisória nº 2.200-2/2001;

  2. Rubricas: Fica dispensada a rubrica em todas as páginas dos contratos e seus anexos. Enquanto tais alterações não são implementadas nos formulários eletrônicos, será exigida declaração do procurador do requerente atestando a veracidade dos documentos e informações levados a registro;

  3. Assinatura por testemunhas: Fica dispensada a assinatura de duas testemunhas, quando o contrato prevê uma cidade brasileira como local de assinatura;

  4. Documentos societários da Requerente: Fica dispensada a apresentação dos documentos societários da empresa cessionária, franqueada ou licenciada, domiciliada ou residente no Brasil (ex.: estatuto social, contrato social, etc.);

  5. Licenciamento de tecnologia não patenteável: É reconhecida a adoção da modalidade de licenciamento de tecnologia não patenteada (licenciamento de know-how), conforme entendimento adotado pelas melhores práticas internacionais; e

  6. Pagamento de royalties por pedidos de patentes, desenhos industriais e marcas: Não serão obstaculizados os pagamentos de royalties sob contratos que tenham por objeto pedidos de patentes, desenhos industriais e marcas. Assim, o INPI reconhece que esses ativos, ainda que pedidos, são objeto de tutela legal e possuem valor patrimonial.

 

Importante frisar que as deliberações acima ainda precisam ser incorporadas às normas do INPI e ao próprio sistema de peticionamento, de modo que, até então, as atuais normas permanecem vigentes.

De qualquer forma, os pontos acima elencados certamente indicam o aprimoramento e agilidade do procedimento de registro/averbação de contratos de transferência de tecnologia, refletindo a posição do INPI no sentido de fomentar a tecnologia e a inovação.

 


 
[1] Nova redação do artigo 9º da Lei nº 4.131/1962, referente à remessa de valores ao exterior, e nova redação do artigo 50 da Lei nº 8.383/1991.  
[2] Revogados os artigos 74 da Lei nº 3.470/1958 e 12 e 13 da Lei nº 4.131/1962.

Publicação produzida pela(s) área(s) Tributário, Propriedade Intelectual