A Justiça Federal do Rio Grande do Sul proferiu a primeira sentença criminal pela prática de manipulação de mercado, prevista no art. 27-C da Lei nº 6.385/1976. Trata-se da condenação de Michael Lenn Ceitlin, controlador e diretor presidente da Mundial S.A. (Mundial), e de Rafael Ferri, agente autônomo de investimentos, em razão de negociações com ações de emissão dessa companhia. O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Rafael, Michael e outros 8 envolvidos (que respondem pela prática em processos distintos), após investigação instaurada em decorrência de oscilações de preço e volume das ações da Mundial. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) atuou como assistente da acusação.
Visando proteger o processo de formação de preços dos valores mobiliários, a prática de manipulação de mercado foi criminalizada pela legislação brasileira em 2001, com a edição da Lei nº 10.303/2001. O tipo penal, previsto no artigo 27-C da referida lei, proíbe a prática de “realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros.
Até então, no Brasil, a Lei dos Crimes contra a Economia Popular (Lei nº 1.521/1951) previa o crime de provocar alta ou baixa de preços no mercado de valores mobiliários por meio de notícias falsas ou outros artifícios. Tratava-se, no entanto, de dispositivo de difícil aplicação, pois exigia a comprovação do artifício utilizado e o efetivo resultado na alta ou baixa das ações.
Na esfera administrativa, a conduta é conhecida como manipulação de preços, prevista na Instrução Normativa CVM nº 08/1979, prática esta mais restrita do que o tipo penal. O tipo penal “manipulação de mercado” acaba por englobar práticas ilícitas administrativas previstas na IN nº 08/1979, como a manipulação de preços, criações de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários e operação fraudulenta.
O juiz sentenciante considerou o crime de manipulação de mercado como sendo formal, ou seja, que se consuma independentemente de qualquer resultado, não admitindo a forma tentada. Não é imprescindível, portanto, que haja a efetiva alteração no regular funcionamento do mercado, a obtenção de vantagem ou o dano a terceiros para caracterizar-se o ilícito. Basta, para tanto, a realização dolosa das operações simuladas ou das manobras fraudulentas. Por outro lado, a regulamentação administrativa parece exigir a ocorrência do resultado para que se caracterize o ilícito. Assim, nas hipóteses em que o meio executivo não é suficiente para provocar a alteração dos valores mobiliários, permite-se a punição administrativa a título de tentativa.
No caso específico, Rafael e Michael foram condenados pela execução de supostas manobras fraudulentas (conhecidas como “pump and dump”), tais como, aumento artificial do volume de negócios, aumento da exposição da companhia na mídia com informações incongruentes e baseadas em demonstrações financeiras com resultados irreais, entre outras.
Os acusados, além de terem sido condenados pela prática de manipulação de mercado, também foram penalizados pela prática de insider trading, ou uso indevido de informação privilegiada, prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/1976.
Após consideradas todas as agravantes e atenuantes, Rafael Ferri foi condenado a 3 anos e 9 meses de reclusão, em regime aberto, ao pagamento de multas fixadas em R$ 2 milhões e em 31 dias-multa. Por sua vez, Michael Ceitlin foi condenado a 3 anos e 9 meses de reclusão, em regime aberto, ao pagamento de multas fixadas em 116 dias-multa. O juiz determinou, por fim, a conversão das penas privativas de liberdade em restritivas de direitos, referentes à prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, e no pagamento de 50 salários mínimos. A decisão ainda está sujeita a recurso.
Ambos os condenados respondem também a processo administrativo na CVM, ainda não julgado, em decorrência dos mesmos fatos.