Análise: as recentes requisições administrativas no combate à pandemia

Publicado em 14 de Janeiro de 2021 em Boletins

Direito Administrativo e Projetos Governamentais | Ciências da Vida e Saúde

A emergência de saúde pública e o risco de escassez de insumos essenciais ao combate à pandemia fez emergir o uso de uma figura pouco comum, porém legalmente prevista no Brasil, a “requisição administrativa”.

Trata-se de um ato extremo, que permite ao Estado solicitar ao particular (coercitivamente se preciso) a entrega de bens ou a prestação de serviços, em situações de perigo público iminente. É ato administrativo unilateral que pode ser invocado por qualquer ente federativo e independe de autorização judicial ou anuência do particular, que será indenizado posteriormente.

A requisição administrativa é uma prerrogativa da Administração Pública e está fundamentada no artigo 5º, XXV, da Constituição Federal, no artigo 15, XIII, da Lei nº 8.080/1990 e no artigo 1.228, § 3º, do Código Civil. No caso do combate à COVID-19, há uma previsão expressa autorizando a medida, no artigo 3º, VII, da Lei nº 13.979/2020.

Recentemente, ganhou notoriedade o caso da requisição administrativa de seringas e agulhas pela União, após o processo licitatório para obter 331 milhões de unidades ter obtido um número muito aquém do desejado (apenas 2,4% do objeto proposto).

Em razão disso, no dia 31 de dezembro de 2020, o Ministério da Saúde, utilizando-se da requisição administrativa, solicitou às empresas privadas fornecedoras a entrega de uma série de insumos a serem utilizados no Plano de Operacionalização da Campanha de Vacinação contra a COVID-19, como agulhas hipodérmicas e seringas.

A medida empregada pelo Ministério da Saúde recairia inclusive sobre insumos já contratados pelo estado de São Paulo, que ingressou com ação judicial, com pedido de tutela liminar de urgência, perante o Supremo Tribunal Federal (STF). A ação contestava o ato da União porque este comprometeria a campanha de vacinação desenvolvida pelo governo estadual.

O STF tem sido acionado para delimitar esta prerrogativa estatal com o objetivo de evitar conflitos entre diversos entes federativos na contratação de bens e serviços essenciais para lidar com a atual crise sanitária. Em decisão liminar, o ministro Ricardo Lewandowski deferiu o pedido do estado de São Paulo para impedir que a União requisitasse insumos contratados por outro ente federativo. Esta decisão está de acordo com o entendimento adotado pelo STF em outros processos como MS 25.295/DF e ACO 3.3385/MA.

Nossa análise: Embora seja compulsória e deva ser cumprida pelos particulares afetados, entendemos que a requisição administrativa precise preencher requisitos legais que, caso não estejam presentes, podem dar espaço para busca de medidas judiciais. O ato da requisição deve ser emitido por autoridade competente, estar devidamente motivado e indicar os bens ou serviços requeridos. A ausência destes requisitos e a falta de proporcionalidade da medida (por exemplo, quantidades muito acima do efetivamente necessário para combate à crise) podem servir de base para eventual questionamento judicial, por meio de um mandado de segurança, por exemplo.

Na hipótese de vir a ser alvo de uma requisição, a empresa deve cumprir com a ordem, sem criar embaraços à Administração Pública. Recomenda-se acompanhar todo o procedimento e inventariar os bens requisitados ou os serviços prestados para avaliar a razoabilidade da futura indenização.

Os times de Direito Administrativo e Projetos Governamentais e de Ciências da Vida e Saúde de TozziniFreire estão à disposição para assessorá-los nessas questões.

 

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