O uso da inteligência artificial na escrita jurídica: obrigação ética?

Publicado em 27 de Setembro de 2024 em Artigos

A IA impacta o setor jurídico, mas pode gerar precedentes fictícios. Advogados devem usá-la com cautela, aprimorando textos e respeitando a ética profissional

 

Os impactos da inteligência artificial (IA) são comentados em diversos setores, inclusive no jurídico. Há casos de advogados multados por usarem precedentes "inventados" por IA (fenômeno conhecido como "alucinação").

 

Isso pode ocorrer quando os comandos de pesquisa ("prompts") não são precisos, levando a IA a se comportar como um filhote de labrador, devolvendo quaisquer resultados ao advogado/usuário, ainda que fictícios.

 

Esse tipo de resultado imaginário exige cautela de quem se vale da IA para pesquisas. 

 

Isso não significa, contudo, que o advogado deva ignorar essas ferramentas, especialmente na elaboração e, mais ainda, na revisão de textos jurídicos. 

 

A IA pode (e deve) ser utilizada de forma estratégica pelos advogados. Para além da conveniência, pode-se argumentar que o advogado teria uma obrigação ética de usar a IA em sua prática. 

 

Todo advogado tem o dever de "empenhar-se, permanentemente, no aperfeiçoamento pessoal e profissional" (art. 2º do Código de Ética da OAB). 

 

O mesmo Código também considera como "imperativos de uma correta atuação profissional o emprego de linguagem escorreita e polida" (art. 28).

 

"Advogado usa IA em processo e ChatGPT inventa casos que não existem".[1]

 

Aqui entra um ponto crucial: A IA como aliada no aprimoramento da linguagem jurídica, auxiliando o advogado a atingir os padrões de clareza e concisão exigidos pela profissão.

 

Diz-se que um texto jurídico eficaz é aquele que segue os "3Cs": claro, conciso e cativante. A exigência ética de empregar uma "linguagem escorreita e polida" reflete bem os dois primeiros Cs.

 

A IA transforma instantaneamente qualquer rascunho em algo mais claro e conciso. 

 

A IA funcionaria, assim, como uma versão anabolizada do corretor ortográfico. 

 

Quanto ao terceiro "C" (cativante), trata-se de desafio que (ainda) recai, majoritariamente, sobre o advogado. Um texto cativante vai além da organização de fatos e argumentos. O texto que cativa exige trabalho artesanal e estratégico do advogado, que costura uma narrativa que prende a atenção do leitor, seja ele um cliente, juiz ou árbitro. Isso requer sensibilidade, experiência e a capacidade de criar uma conexão emocional e lógica com o público-alvo.

 

A IA pode até gerar uma minuta funcional, mas transformar essa primeira versão em uma joia persuasiva exige o toque humano (julgamento). Afinal, a persuasão na advocacia depende não só de clareza e concisão, mas de uma comunicação que prenda/cative o leitor.

 

A IA tem papel importante na redação jurídica. No entanto, o julgamento humano - especialmente a capacidade de criar textos cativantes - ainda é indispensável.

 

O advogado do futuro deve saber aperfeiçoar o trabalho entregue pela IA moldando-o em uma obra-prima de comunicação jurídica, respeitando tanto a técnica quanto a arte de persuadir.

 

[1] “Advogado usa IA em processo e ChatGPT inventa casos que não existem”. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2023/05/5098120-advogado-usa-ia-em-processo-e-chatgpt-inventa-casos-que-nao-existem.html. Acesso em 27 de set. 2024.

Publicação produzida pela(s) área(s) Arbitragem, Tecnologia e Inovação, Contencioso

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