A indústria brasileira de apostas esportivas está (quase) pronta para decolar

A indústria brasileira de apostas esportivas está (quase) pronta para decolar

Publicado em 06 de Setembro de 2023 em Artigos

O mercado brasileiro de apostas esportivas tem despertado a atenção mundial especialmente neste momento, com a edição de uma Medida Provisória para regular a atividade. Jun Makuta, sócio da TozziniFreire Advogados, analisa os rumos que o setor irá trilhar e sua expectativa de que outras modalidades se tornem realidade em breve.

 

Na década de 1940, o jogo estava florescendo no Brasil. Segundo informações, mais de 70 cassinos operavam em todo o país, empregando mais de 60.000 pessoas.

 

No entanto, em 3 de outubro de 1941, o setor sofreu um duro golpe quando o presidente Getúlio Vargas promulgou o Decreto-Lei 3.688, que considerava contravenção todos os jogos de azar, exceto as loterias federais e as corridas de cavalos. Os cassinos licenciados sobreviveram graças a outro decreto-lei promulgado no ano seguinte.


Em 1946, o sucessor de Vargas, Eurico Gaspar Dutra, colocou um prego no caixão. Influenciado por sua esposa, uma católica devota e igualmente dedicada a combater a imoralidade e proteger as famílias, ele aplicou uma proibição geral tanto do Partido Comunista quanto do jogo.

 

Quase 80 anos depois, o jogo continua cercado de estigma social. O mercado regulado local é (ainda) minúsculo, com a soma das apostas em loterias federais e hípicas não ultrapassando 0,25% do PIB do país. Este valor é significativamente inferior ao de outras grandes economias, como os Estados Unidos, onde o jogo e as apostas corresponderam a mais de 0,6% do PIB nominal em 2022, ou a Itália, onde o valor total das apostas ultrapassa os 5% do PIB nominal.

Os legisladores brasileiros tentaram mudar o cenário nas últimas décadas, e vários projetos de lei foram propostos para regulamentar vários tipos de modalidades de jogos de azar, incluindo cassinos, bingos, jogos online e loterias. No entanto, o cenário não mudou significativamente até 2018, quando a Lei Federal 13.756 legalizou as atividades de apostas esportivas de cotas fixas como serviço público e modalidade lotérica fiscalizadas pelo Ministério da Fazenda. A lei também deu ao Ministério da Fazenda quatro anos para regulamentar a atividade e começar a emitir licenças.

O presidente Jair Bolsonaro passou todo o seu mandato de quatro anos sem tomar nenhuma medida legal, e o cenário do jogo no Brasil provavelmente permaneceria estagnado até agora. Mas dois grandes eventos ocorreram em rápida sucessão em 2020 que mudariam tudo isso: a pandemia de covid-19 obrigou as pessoas a ficarem em casa e as taxas de jogos online dispararam em todo o mundo; o Supremo Tribunal Federal suspendeu a restrição de uma década aos estados e municípios explorando serviços de loteria, incluindo apostas esportivas de probabilidades fixas, fazendo com que os estados agissem rapidamente para legalizá-los e regulá-los.

A falta de regulamentação federal resultou em um número crescente de sites de apostas esportivas offshore acessando os apostadores brasileiros, apesar do risco de as casas de apostas serem punidas pela lei criminal. O número exato de casas de apostas esportivas disponíveis no Brasil é desconhecido, mas analistas de mercado estimam que existam mais de mil marcas globais e locais oferecendo serviços para jogadores brasileiros com base em licenças emitidas em outras jurisdições.

Os números oficiais são praticamente inexistentes, mas pesquisas de mercado recentes dão uma dica sobre o tamanho do mercado brasileiro. Um estudo constatou que os apostadores brasileiros movimentaram mais de US$ 2,7 bilhões no primeiro trimestre de 2023 e devem chegar a US$ 11 bilhões até o final do ano, um número impressionante que é 2,5 vezes maior do que o total de vendas das loterias federais em 2022.

A SimilarWeb surpreendentemente (ou talvez não tão inesperadamente) informou que o Brasil lidera o ranking mundial de visitas a sites de apostas esportivas, com 3,19 bilhões de visitas, ou 22,78% do total. Isso é mais do que mercados tradicionais como Reino Unido (1,61 bilhão), Nigéria (1,29 bilhão), Turquia (948 milhões) e Estados Unidos (781 milhões).

Após um hiato de quatro anos e meio, o cenário jurídico começou a mudar no final de julho, quando o presidente Lula da Silva editou a Medida Provisória 1.182, que altera parcialmente a Lei Federal 13.756/2018. Medida Provisória (MP) é um ato legal de autoria do presidente da República que entra em vigor imediatamente e, portanto, tem prazo de vigência de 120 dias ou até a aprovação do Congresso Nacional, o que ocorrer primeiro.

A Medida Provisória aborda uma série de questões importantes, incluindo:

  • A confirmação de que haverá quantidade ilimitada de licenças para operar em todo o território nacional.

  • A concessão de licença a estrangeiros, condicionada à abertura de entidade local, ao pagamento de taxas e ao cumprimento de requisitos a definir pelo Ministério da Fazenda.

  • A previsão de sanções para os apostadores não conformes (assunto que não havia sido contemplado pela Lei Federal de 2018), como restrição à publicidade e à realização de atividades comerciais, suspensão temporária das atividades e multas de até R$ 2 bilhões.

  • A exigência de que os operadores licenciados implementem políticas de compliance e AML de acordo com diretrizes a serem definidas pelo Ministério da Fazenda, e imponham obrigações de reporte, inclusive no que diz respeito à manipulação de resultados.

  • A concessão de amplos direitos de fiscalização ao Ministério da Fazenda, incluindo o acesso a dados e sistema de informação, bem como o poder de solicitar aos fornecedores de serviços de internet o bloqueio do acesso a casas de apostas não autorizadas.

  • O papel central do Banco Central na regulação e fiscalização dos mecanismos para canalizar para o mercado regulado o dinheiro de apostas que atualmente flui do e para o Brasil, uma novidade que daria à autoridade monetária o direito de supervisionar as atividades que em outro lugar seriam realizadas por sistemas de gerenciamento de contas de jogadores regulamentados pelas autoridades de jogos de azar.


Junto com a tão esperada clareza sobre as regras do jogo, a MP também trouxe dispositivos com alto potencial de polêmica. Por exemplo, quando afirma que as casas de apostas estão em conformidade se tiverem uma licença federal, isso pode ameaçar as atividades de apostas esportivas licenciadas por estados e municípios e expô-las a sanções que, de outra forma, se aplicariam a operadores não conformes.

 

Mas, certamente, a regra mais criticada pela MP é o custo que será associado às operações brasileiras. Isso inclui a taxa de 18% sobre a receita bruta de jogo (GGR) como valor destinado aos beneficiários sociais, impostos corporativos regulares e taxas de supervisão que variam de acordo com o volume de negócios.

Mais regras e novidades estão por vir em breve, como o regulamento do Ministério da Fazenda detalhando os requisitos para obtenção da licença, o Projeto de Lei 3.626/2023, que traz mais detalhes sobre promoção comercial, regras de compliance e o processo administrativo que preceder a aplicação de sanções. Também é possível que a própria MP ainda seja alterada pelo Congresso Nacional (parlamentares tanto da Câmara quanto do Senado apresentaram mais de 240 propostas de emenda, mostrando forte compromisso de participar do processo de conversão da lei) ou mesmo rejeitada em sua totalidade.

O Brasil não é a próxima grande novidade; já está acontecendo. As pessoas não vão parar de apostar, então o desafio do governo é criar regulamentações que canalizem de forma eficiente as apostas do mercado cinza para o mercado regulado. Com a consolidação das normas legais, ocorrerá a consolidação dos players, abrindo novas e inúmeras oportunidades para os negócios que se adaptarem. Não podemos perder os próximos episódios e devemos estar preparados para o seu spin-off: a legalização de todas as verticais de jogo.

 

 

Artigo inicialmente publicado no portal Games Magazine Brasil.

Publicação produzida pela(s) área(s) Gaming & E-sports