COVID-19 | Direito da Concorrência - CADE e a defesa da concorrência em tempos de crise

Publicado em 01 de Abril de 2020 em Boletins

Direito da Concorrênciatexto atualizado em 01/04 às 13h18

O CADE e a defesa da concorrência em tempos de crise​

Analisamos as principais notícias e tendências de atuação do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) durante a crise decorrente da COVID-19, dentre as quais destacamos:

  • Os servidores do CADE continuam trabalhando e atendendo o público, inclusive por meio de vídeo e audioconferências;
  • Apenas os prazos processuais de manifestação de acusados estão suspensos, outros seguem normalmente;
  • A análise de atos de concentração será priorizada, porém poderá sofrer atrasos em razão da dificuldade de obtenção de dados pelas empresas;
  • Parcerias entre empresas para enfrentar a crise devem ser estruturadas de maneira muito clara para evitar investigações de formação de cartel;
  • Empresas já estão sendo questionadas por aumento abusivo de preços, então decisões de elevar preços devem ser tomadas com cuidado, especialmente em setores essenciais;
  • Já existem propostas de alteração da legislação para modificar a atuação do CADE durante a crise.

Funcionamento do CADE:

O presidente do CADE divulgou nota reforçando o compromisso do órgão em continuar suas atividades, adequando-as às medidas recomendadas para reduzir a circulação do vírus. A maior parte dos funcionários está em home office; vídeo e audioconferências estão sendo realizadas sem dificuldades.

O CADE também incluiu em seu Regimento Interno a possibilidade de realização de sessões de julgamento em ambiente eletrônico, que deverão respeitar os requisitos internos de segurança da informação do órgão, bem como assegurar a transparência e a publicidade, com a possibilidade de ampla participação de todos os interessados.

A continuidade da atuação do CADE nesse momento de desafios será essencial para viabilizar a célere análise de eventuais operações emergenciais entre empresas para atender as demandas decorrentes do combate à COVID-19, bem como reprimir abusos.

Prazos processuais

Após a edição da Medida Provisória nº 928, que incluiu no rol de medidas excepcionais para o enfrentamento da COVID-19 “a suspensão dos prazos processuais em desfavor dos acusados e entes privados processados em processos administrativos enquanto perdurar o estado de calamidade”, o CADE esclareceu que:

  • Estão suspensos os prazos processuais em desfavor dos representados nos processos administrativos para (i) imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica, (ii) apuração de atos de concentração (APAC), e (iii) imposição de sanções processuais incidentais.
  • Seguem sem alterações os prazos de (i) atos de concentração, (ii) procedimentos preparatórios, (iii) inquéritos administrativos, (iv) acordos de leniência, (v) termos de compromisso de cessação e acordos em controle de concentrações e (vi) consultas.

Impacto na análise de atos de concentração

O CADE pretende priorizar a análise de atos de concentração. O objetivo é manter a média de tempo de 2019 (17 e 90 dias para procedimentos sumários e ordinários, respectivamente).

No entanto, na prática o prazo pode ser alongado por diversas razões, tais como problemas enfrentados em trabalho remoto, dificuldade de obtenção de informações dentro das próprias empresas e demora de terceiros em responder a questionários enviados pelo CADE. Para evitar o atraso, recomenda-se que as notificações sejam instruídas com todas as informações e documentos necessários para sua aprovação sem a necessidade de questionamentos adicionais pelo CADE.

Por fim, espera-se a ocorrência de quatro fenômenos durante a crise:

  1. aumento de volume de notificações decorrentes de fusões e aquisições envolvendo empresas com dificuldades financeiras ou recuperação judicial;
  2. aumento de pedidos de autorização precária (e mais rápida) das operações, garantindo-se a reversibilidade do negócio em caso de reprovação;
  3. maior escrutínio em relação a cláusulas de manutenção do negócio entre assinatura e fechamento, evitando-se a ocorrência de gun jumping; e
  4. aumento de consultas e notificações de contratos associativos e joint ventures (vide abaixo notícia sobre proposta de alteração da Lei de Defesa da Concorrência).

Atenção com parcerias entre concorrentes

O CADE estará atento à atuação das empresas durante a crise, com vistas a prevenir e reprimir a ocorrência de infrações concorrenciais (vide abaixo nota sobre a recém-instaurada investigação de preços abusivos). Em especial, contatos entre empresas concorrentes deverão sofrer intenso escrutínio.

Desse modo, recomenda-se muita cautela em qualquer interação dessa natureza, seja diretamente, seja por intermédio de associações de classe. Condutas como fixação de preço, alocação/manutenção de clientela e acordos em licitação continuam sendo consideradas as mais lesivas à economia e aos consumidores, e continuarão sendo alvo de investigações e penalidades.

Eventuais associações com concorrentes visando lidar com a crise deverão ser feitas de maneira bastante transparente, adotando-se protocolos antitruste e outras medidas para preservação da independência dos envolvidos.

Investigação por preços abusivos

Durante a crise aumenta o risco de empresas serem questionadas por aumentos de preços considerados abusivos, especialmente aquelas que atuam em setores considerados essenciais. Em 18 de março de 2020, o CADE instaurou Procedimento Preparatório para investigar suposto aumento de preços e lucros de forma arbitrária e abusiva por empresas do setor da saúde, tais como hospitais, laboratórios, farmácias, distribuidores e fabricantes de máscaras cirúrgicas e álcool em gel e fabricantes de medicamentos para tratamento dos sintomas da COVID-19. Até o momento, mais de 50 ofícios já foram expedidos e o procedimento encontra-se em fase de instrução.

Proposta de alteração da Lei de Defesa da Concorrência

Em 31 de março de 2020, o senador Antônio Anastasia apresentou o Projeto de Lei nº 1.179, sugerindo as seguintes alterações na Lei nº 12.529/2011:

  1. Até 31 de outubro de 2020, suspensão da obrigação de notificação de contratos associativos, joint ventures e consórcios para aprovação prévia pelo CADE;
  2. Até 31 de outubro de 2020, o CADE deixaria de investigar e julgar casos decorrentes (i) da venda de mercadorias ou da prestação de serviços abaixo do preço de custo e (ii) do fechamento e/ou cessação parcial das atividades empresariais sem justa causa;
  3. Previsão de que as infrações à ordem econômica sejam analisadas pelo CADE considerando “as circunstâncias extraordinárias decorrentes da pandemia”.

Com relação ao primeiro ponto, a proposta parece muito abrangente e pode sofrer ajustes, de modo a restringir sua aplicação a associações com vistas a manter o abastecimento e produção de bens durante a crise.

Proposta de congelamento de preços de medicamentos

Em 24 de março de 2020, o senador Randolfe Rodrigues apresentou o Projeto de Lei nº 881/2020, propondo o congelamento de preços de medicamentos durante o estado de calamidade pública.

O CADE se manifestou de maneira contrária ao projeto, indicando que poderia haver diminuição no volume de produtos ofertados por empresas menores, concentração de mercado e desabastecimento.