Contencioso - texto atualizado em 17/04 às 18h17
Em 23/03/2020, foi publicada a Resolução nº 23.615/2020 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nos moldes da Resolução nº 313/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ela foi editada com o objetivo de uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários eleitorais, garantindo o acesso à justiça mesmo durante o período de pandemia relacionada à COVID-19.
A competência do TSE para tanto decorre dos artigos 1º, parágrafo único, e 23, IX, do Código Eleitoral, no sentido de que cabe ao TSE dar cumprimento às disposições da aludida legislação. O Regimento Interno do TSE também traz, em seu artigo 8º, V[1], disposição no mesmo sentido sobre sua competência normativa.
Não à toa, a Justiça Eleitoral foi excluída do âmbito de aplicação da Resolução nº 313/2020 do CNJ, conforme previsão expressa do seu artigo 1º, parágrafo único.
Ainda que não haja previsão expressa na Resolução, na forma dos artigos 12 e 21 do Código Eleitoral, deve-se considerar sua aplicação de forma nacional a toda a Justiça Eleitoral (juízos zonais e Tribunais Regionais Eleitorais):
Código Eleitoral:
Art. 12. São órgãos da Justiça Eleitoral:
I - O Tribunal Superior Eleitoral, com sede na Capital da República e jurisdição em todo o País;
(...)
Art. 21 Os Tribunais e juízes inferiores devem dar imediato cumprimento às decisões, mandados, instruções e outros atos emanados do Tribunal Superior Eleitoral.[2]
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência entendem que resoluções da Corte Superior Eleitoral possuem força de lei, no sentido de que possuem eficácia geral e abstrata:
– (...) As instruções e demais deliberações de caráter normativo do Tribunal Superior Eleitoral são veiculadas em Resolução. Esta é compreendida como o ato normativo emanado de órgão colegiado para regulamentar matéria de sua competência. A Resolução apresenta natureza de ato-regra, pois conforme esclarece Bandeira de Mello (2002, p. 378), cria situações gerais, abstratas e impessoais, modificáveis pela vontade do órgão que a produziu.
Assim, as Resoluções expedidas pelo TSE ostentam força de lei. Note-se, porém, que ter força de lei não é o mesmo que ser lei! O ter força, aí significa gozar do mesmo prestígio, deter a mesma eficácia geral e abstrata atribuída às leis. Mas estas são hierarquicamente superiores às resoluções pretorianas. Impera no sistema pátrio o princípio da legalidade (CF, art. 5°, II), pelo que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Reconhece-se, todavia, que as Resoluções do TSE são importantes para a operacionalização do Direito Eleitoral, sobretudo das eleições, porquanto consolidam a copiosa e difusa legislação em vigor. Com isso, proporciona-se mais segurança e transparência na atuação dos operadores desse importante ramo do Direito, (g.n.) [José Jairo Gomes. Direito Eleitoral, 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 68].
– RECURSO CÍVEL - PRESTAÇÃO DE CONTAS - PARTIDO POLÍTICO - EXERCÍCIO 2006 - NÃO ABERTURA DA CONTA PARTIDÁRIA - RESOLUÇÕES DO TSE COM FORÇA DE LEI FEDERAL, DENOTANDO A OBRIGATORIEDADE DE SUA OBSERVÂNCIA - REITERAÇÃO DA CONDUTA POR DOIS EXERCÍCIOS FINANCEIROS - SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
Trecho: Inicialmente, observo que o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral tem a prerrogativa de expedir instruções (Resoluções), com força de lei ordinária, de forma a garantir a execução da legislação eleitoral, em razão do disposto no art. 23, IX, do Código Eleitoral e do art. 105, caput, da Lei nº 9.504/95. (TRE-SP - REC: 25972 SP, Relator: PAULO ALCIDES AMARAL SALLES, Data de Julgamento: 12/03/2009, Data de Publicação: DOE - Diário Oficial do Estado, Data 24/03/2009, Página 02)
– AÇÃO CAUTELAR. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DE AIJE. NORMATIVIDADE APLICÁVEL À MATÉRIA. PRESENÇA DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA. SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DA SENTENÇA. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA. AÇÃO CAUTELAR PROCEDENTE. 1. O TSE normatizou que o recurso interposto, em AIIE, declaratória de inelegibilidade de determinado candidato, de acordo com o artigo 15 da LC 64/90, possui efeito suspensivo. 2. As resoluções emanadas do TSE possuem forca de lei federal e normatizam todo o processo eleitoral. 3. Presentes os pressupostos inerentes ao perigo de ocorrer danos irreparáveis ou de difícil reparação, ante a relevância do direito substrato da demanda, bem assim constada a eventual demora na instrução e julgamento do recurso respectivo, deve ser procedente a cautelar. 4. Garantia de legalidade e de legitimidade do processo eleitoral, observância aos princípios da legalidade e da segurança jurídica. 5. Ação Cautelar Procedente.
Trecho do voto: "Esse é o ponto crucial, em meu entendimento, uma vez que a concessão de efeito suspensivo e, por consequência, a procedência da ação cautelar é uma imposição legal, é um imperativo. Não se trata de uma faculdade, mas do cumprimento de preceito inserto na Resolução n° 23.189, do TSE, a' qual possui força de lei federal e de lei disciplinadora e, dessa forma, deve ser cumprida, de forma incontinenti, sem titubeios." (TER/PA, Ação Cautelar nº 17022, Acórdão n° 26312 de 05/12/2013, Relator(a) EZILDA PASTANA MUTRAN, Relator(a) designado(a) JOÃO BATISTA VIEIRA DOS ANJOS, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 233, Data 19/12/2013, Página 02)
Nesse contexto, o texto da Resolução é mesmo claro no sentido de que o que está sendo ali decidido deve ser implementado pelos TREs:
(...) Estabelece, no âmbito da Justiça Eleitoral, regime de Plantão Extraordinário, para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários (...)
(...) Art. 2º (...) inclusive os voltados à execução das eleições, em cada Tribunal. § 1º Os tribunais eleitorais definirão (...)
(...) Art. 6º Os Tribunais Eleitorais poderão disciplinar o trabalho remoto (...)
(...) Art. 7º (...) no âmbito de qualquer órgão da Justiça Eleitoral, ficam vedados (...)
(...) Art. 8º Ficam autorizados os Tribunais Eleitorais a adotar outras medidas (...)
(...) Art. 9º Os Tribunais Eleitorais deverão disciplinar sobre a destinação dos recursos provenientes do cumprimento de pena de prestação pecuniária (...)
No que toca aos processos judiciais, a Resolução editada pelo TSE prevê, em seu art. 5º, que “Ficam suspensos os prazos processuais a contar da publicação desta Resolução, até o dia 30 de abril de 2020”. Como não há distinção na Resolução para a suspensão entre processos físicos e eletrônicos, interpreta-se que a suspensão se aplica de forma genérica a todos os prazos processuais.
Apesar disso, foram mantidos os prazos nas prestações de contas referentes ao exercício financeiro de 2014 e a realização das sustentações orais, que deverão ser realizadas por meio eletrônico em processos incluídos em sessão de julgamento (art. 5º, § 1º, alíneas “a” e “b”). Também está garantida a apreciação de matérias de urgência, como, por exemplo, habeas corpus e mandados de segurança, medidas liminares, comunicações de prisão em flagrante e concessão de liberdade provisória, listas tríplices, consultas e registro de partidos políticos, entre outras (cf. art. 4º, incisos I a IX).
Considerando a já mencionada eficácia geral a toda a Justiça Eleitoral, muitos Tribunais Regionais Eleitorais do país vêm expedindo novos atos (Portarias e Resoluções) para se adequarem ao que foi determinado pela Resolução nº 23.615 do TSE[3], inclusive no que diz respeito à suspensão dos prazos processuais até o dia 30/04/2020.
Ainda que tenham expedido novos atos (Portarias e Resoluções) fazendo referência e aderindo às disposições da Resolução nº 23.615 do TSE, alguns outros Tribunais Regionais Eleitorais, no entanto, nada dispuseram sobre a suspensão de prazos, tendo ratificado as suspensões de forma distinta (apenas para processos físicos ou por períodos diferentes, por exemplo)[4] ou determinado a suspensão apenas para os processos de 1º grau[5].
Ocorre que o artigo 10 da nova Resolução nº 23.615 do TSE é claro ao dispor que ficam mantidas as regras dos TREs, mas devem ser implementadas as adaptações estabelecidas na Resolução do TSE.
Assim, caso persistam essas divergências e surjam discussões sobre a tempestividade de atos processuais praticados com observância à suspensão dos prazos previstos pela Resolução nº 23.615 do TSE, a saída será a apresentação de reclamação pela parte prejudicada perante aquela Corte Superior[6], a fim de que seja garantida a autoridade de suas decisões (nos termos do art. 988, II, § 1º, do Código de Processo Civil[7] – aplicável de forma supletiva e subsidiária à Justiça Eleitoral, conforme artigo 15 do CPC e artigo 2º, parágrafo único, da Resolução nº 23.478/2016 do TSE[8]).
[1] Regimento Interno TSE:
Art. 8º São atribuições do Tribunal:
v) expedir as instruções que julgar convenientes à execução do Código Eleitoral e à regularidade do serviço eleitoral em geral;
[2] (…) “Trata-se de regra de preservação do princípio da hierarquia funcional, sem a qual seria impossível alcançar-se a segurança jurídica. O Poder Judiciário, como já se disse ao se comentar o artigo 12, organiza-se hierarquicamente, através de sucessivas instâncias. Cada uma delas tira a sua força da que lhe fica imediatamente acima. O dispositivo, ad cautelam não se limitou a aludir apenas às decisões, incluindo todos os atos emanados do Tribunal Superior, qualquer que seja sua natureza. Daí porque, como regra geral, que será mais tarde comentada, são irrecorríveis as decisões emanadas do Tribunal Superior, para que se alcance solução final e definitiva para os litígios de natureza eleitoral, o que é fundamental para a segurança jurídica.” (...) [BASÍLIO, Ana Tereza (organizadora): Brasil. Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. Código eleitoral comentado e legislação complementar. Rio de Janeiro: EJE/SAD/CADOC, 2012].
[3] TRE-MT (Portaria Presidência nº 125/2020); TRE-MS (Resolução Presidência nº 678/2020); TRE-PB (Portaria Presidência nº 30/2020); TRE-PI (não editou ato próprio, apenas aderiu à Resolução do TSE em notícia na página do Tribunal); TRE-SP (Portaria TRE/SP nº 76/2020); TRE-AL (Portaria Conjunta nº 5/2020); TRE-AM (Resolução nº 03/2020); TRE-BA (Portaria Presidência nº 109/2020); TRE-DF (Portaria Conjunta nº 11/2020); TRE-GO (Portaria Presidência nº 76/2020); TRE-PR (Portaria Presidência nº 210/2020); TRE-PE (Portaria Presidência nº 209/2020); TRE-RJ (Ato Conjunto nº 06/2020); TRE-RS (Resolução nº 341); TRE-RO (Portaria Conjunta nº 1/2020); TRE-RR (Portaria Presidência nº 85/2020) e TRE-TO (Portaria Presidência nº 285/2020).
[4] TRE-CE (Portaria Conjunta nº 11/2020); TRE-MG (Resolução nº 1.134/2020 c/c Portaria Conjunta nº 31/2020 e 33/2020); TRE-PA (Portaria nº 19.466/2020 c/c Portarias nºs 19.475, 19.477 e 19.481); TRE-MA (Portaria Conjunta nº 01/2020 c/c Portarias nºs 318 e 327/2020); TRE-RN (Resolução nº 3/2020 e Resolução nº 6/2020); TRE-SC (Portaria Presidência nº 48/2020 c/c Provimento CRESC nº 4/2020); TRE-AC (Portaria Presidência nº 84/2020) e TRE-SE (Portaria Presidência nº 320/2020 c/c Portaria Conjunta nº 9/2020).
[5] TRE-AP (Resolução nº 536/2020) e TRE-ES (Portaria nº 137/2020).
[6] GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
[7] Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
(...) II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;
(...) § 1º A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir.
[8] Art. 2º (...) Parágrafo único. A aplicação das regras do Novo Código de Processo Civil tem caráter supletivo e subsidiário em relação aos feitos que tramitam na Justiça Eleitoral, desde que haja compatibilidade sistêmica.