Artigo - FGTS, Startups e Investimento Anjo #ahoraehagora

Publicado em 30 de Março de 2017 em Artigos

Por Rodrigo Vieira e Maria Medeiros Bofill, respectivamente, sócio e advogada sênior de TozziniFreire Advogados

Durante os próximos meses, os saques dos recursos depositados em contas inativas do FGTS tendem a injetar aproximadamente R$ 30 bilhões na economia. 

De acordo com as estatísticas divulgadas, 86% das contas inativas têm saldo inferior a um salário mínimo. No entanto, dentre as contas restantes, que,  segundo as estimativas, podem atingir o valor aproximado de R$ 4,2 bilhões, podem existir aquelas com valores suficientes para ajudar a tirar do papel aquele projeto de startup que há anos aguarda uma oportunidade.

O empreendedorismo tem um papel relevante para recuperação da nossa economia, para a geração de empregos e para a modernização da nossa sociedade como um todo. Todo e qualquer recurso aplicado em iniciativas empreendedoras é bem vindo.

A utilização em larga escala dos smartphones e tablets, o aumento do acesso à internet e a convergência de novas tecnologias permitem levar produtos e serviços de qualquer lugar do mundo para qualquer consumidor. 

As barreiras de entrada em qualquer mercado hoje estão enfraquecidas e isso cria um mar de oportunidades para o empreendedor. São inúmeros os casos de empreendedores desafiando a forma com que as empresas tradicionais conduzem os seus negócios e estabelecendo novas relações com a rede de consumidores de maneira mais transparente e eficiente.

A hora é agora! E melhor ainda será se a experiência de cada empreendedor e de cada investidor que se engajar em um novo projeto for satisfatória e superar as expectativas iniciais. Sonhos precisam ser realizados...

Imaginem o poder multiplicador de uma experiência bem sucedida. Qual o efeito na sociedade quando uma escola secundária do Vale do Silício investe US$ 15 mil em abril de 2012 no Snapchat, então avaliado em aproximadamente US$ 4,25 milhões e, quase cinco anos depois, a investida se torna companhia aberta e passa a valer US$33 bilhões?

O objetivo deste artigo é trazer uma breve discussão sobre pontos de atenção para o empreendedor e para o investidor anjo para evitar a criação de problemas desnecessários na condução dos negócios da empresa ou relação entre os sócios e investidores, de forma a tentar ajudar o ecossistema a trabalhar em bases mais sólidas.

Em momentos de empolgação com novos projetos, a tendência é que preocupações com questões jurídicas estejam nas últimas linhas da lista de prioridades dos empreendedores e investidores-anjos não habituais (se é que sequer entram na tal lista). E é natural que assim o seja. Mas alguns cuidados podem ser tomados para que se evitem dores de cabeça desnecessárias lá na frente, assim como desvio de energia de quem deveria estar focado no desenvolvimento negócio.

Se você pretende entrar no fascinante mundo do empreendedorismo, aqui vão alguns apontamentos sobre questões que merecem atenção por parte de empreendedores e investidores:

1.    Regras claras entre os participantes

A maioria dos projetos que resultam na criação de startups conjugam esforços de mais de uma pessoa, sendo, assim, de absoluta importância que seja devidamente ajustado entre os envolvidos quais as regras aplicáveis. Alguns exemplos de “combinados” altamente recomendáveis de serem registrados por escrito antes de qualquer implementação do projeto de startup: Qual o objetivo da empresa? Que contribuição cada um dará para o negócio e a título de quê? Quem deterá que percentual da sociedade? A participação dos sócios variará dependendo de participação continuada no negócio? Quais serão os papeis e responsabilidades de cada um? Quais são as regras aplicáveis em caso de saída de um dos sócios? Quanto tempo de dedicação para o projeto é esperado de cada participante? Os fundadores terão direito a remuneração mensal? Em que circunstâncias um fundador poderá ser excluído como sócio ou administrador da sociedade? Como serão tomadas as decisões relativas ao negócio, tanto no que diz respeito ao dia-a-dia quanto no que diz respeito às questões mais fundamentais, como, por exemplo, a entrada de um investidor ou a venda da empresa? Havendo investidor desde o início, a que título foi aportado valor e quais as regras aplicáveis a ele? Como se resolvem conflitos que eventualmente surjam entre os envolvidos? A ausência de acordos sobre estes temas ou de regras escritas sobre o que foi acordado pode gerar desentendimentos e frustrações em um time que deveria estar alinhado e focado no progresso da startup.
    
2.    Eleição do tipo societário adequado

Um erro comumente cometido por empreendedores é deixar de averiguar o tipo societário adequado quando da constituição da empresa, o que pode resultar em responsabilidade pessoal que poderia ser evitada. EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada), se não houver mesmo outro sócio, pode ser uma boa opção por dar certa proteção ao patrimônio do empreendedor (desde que não haja desvio de finalidade e confusão entre o patrimônio da empresa e do empreendedor). Acontece que a EIRELI, além de não apresentar estrutura mínima para receber investimento de terceiro, exige capital social mínimo de 100 salários mínimos, o que atualmente corresponde a R$ 93.700,00, valor inacessível para a maioria dos empreendedores para aporte inicial. 

Daí que a Sociedade Limitada acaba sendo a melhor opção para a maioria dos empreendedores, já que apresenta a mesma proteção patrimonial da EIRELI, não tem requisito de capital social mínimo e proporciona uma estrutura que permite acolher investimentos iniciais, como de aceleradoras e anjos. 

Apenas para que não se deixe de mencionar, ainda que seja a melhor estrutura para o ingresso de investimentos de terceiros, não é indicado que se constitua uma startup já na forma de Sociedade Anônima diante dos custos altos e da burocracia inerente a este tipo societário, que não se justificam no caso de uma sociedade que recém está nascendo. Se for o caso, a sociedade poderá ser eventualmente transformada em S.A.
 
3.    Questões relacionadas à Propriedade Intelectual

Se você desenvolveu ou está desenvolvendo uma tecnologia, um produto ou um serviço que é único, é importantíssimo que sejam tomados os devidos cuidados para proteger a propriedade intelectual desenvolvida. Igualmente, atenção deve ser dirigida para que a empresa não infrinja direitos de propriedade intelectual de terceiros. Aqui entram questões relacionadas a marcas, patentes, direitos autorais, desenhos industriais, segredos comerciais e acordos de confidencialidade. 

Empreendedores se orgulham de escolher nomes de startups com significados e sonoridades cheios de sentido para o projeto que se vai desenvolver. Da mesma forma, o logo, com suas formas e cores, repletos de conceitos, serão a cara da startup e, invariavelmente, o foco de atenção dos empreendedores. Também, pudera, é por meio da marca que a startup se apresentará ao mundo e, tudo dando certo, conquistará seu mercado. Justamente por isso que é de extrema importância ter certeza de que a marca está devidamente protegida e que não viola marcas já existentes. Portanto, pesquise em sites de busca, no site do INPI e em sites de registro de domínio para se certificar de que a marca escolhida será inovadora e poderá ser protegida.

4.    Regime tributário e incentivos fiscais

Não é novidade para ninguém dizer que o sistema tributário é de alta complexidade, com várias possíveis armadilhas e uma fiscalização cada vez mais informatizada. A qualquer erro multas vultosas podem ser aplicadas. Para evitar deslizes que podem se transformar em verdadeiros pesadelos na vida do empreendedor, é importante estar devidamente informado dos tributos aplicáveis e escolher o regime tributário mais adequado para a atividade da sua empresa. Genericamente falando, o Simples Nacional tende a ser mais favorável do que os regimes de Lucro Real ou Lucro Presumido por sua menor complexidade, mas nem sempre isto é a regra. Além disso, é importante que se esteja atento e devidamente informado sobre eventuais incentivos fiscais que estejam disponíveis para a sua startup, potencialmente reduzindo o montante de impostos que incidirá sobre a sua atividade.

5.    Surgimento jurídico do investidor-anjo no Brasil

A novidade a partir deste ano é a possibilidade de microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) poderem admitir o aporte de recursos realizado por pessoa física ou jurídica na condição, agora legalmente prevista, de “investidor-anjo”. Fundos de investimento também poderão aportar recursos como investidores-anjos nas ME e nas EPP. 

O aporte feito pelo investidor-anjo não integrará o capital social da empresa e, especificamente para fins de enquadramento como ME ou EPP, os valores aportados não serão considerados como receitas. Além disso, as finalidades de fomento à inovação e investimentos produtivos deverão constar do chamado contrato de participação, entre o investidor-anjo e a sociedade investida, contrato este que não poderá ter vigência superior a 7 anos. 

De acordo com o texto legal, o investidor-anjo não será considerado sócio, nem terá qualquer direito à gerência ou voto na administração da empresa, tampouco responderá por qualquer dívida desta, mesmo em caso de recuperação judicial, não se aplicando ao investidor-anjo responsabilidade pelas dívidas da empresa caso seja decretada a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade investida por conta de desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial entre a sociedade e seus respectivos sócios. 

O intuito da lei foi compatibilizar o regime de tributação pelo Simples Nacional com o ingresso de mais recursos para o desenvolvimento dessas empresas, já que a presença de um sócio pessoa jurídica ou fundo de investimento inviabilizaria a adoção pela empresa desse regime tributário. 

O investidor-anjo será remunerado por seu investimento ao final de cada período em valor proporcional aos resultados distribuídos pela sociedade, não podendo a remuneração do investidor-anjo exceder o correspondente a 50% dos lucros da sociedade investida. Nos termos da lei, esta remuneração fica limitada ao prazo máximo de 5 anos. 

Diante disso, considerando (i) a vinculação da remuneração do investimento ao resultado da empresa, com limitação de 50% do lucro, (ii) o fato de serem raros os casos de startups que distribuam resultados em seus primeiros anos, (iii) a limitação temporal da remuneração do investimento por, no máximo, 5 anos, e (iv) o prazo máximo do contrato de participação de 7 anos, a tendência é que os contratos de participação estabeleçam prazos de carência, de até 2 anos, para que a sociedade comece a remunerar o investidor-anjo pelo aporte realizado.

No que diz respeito a desinvestimento, o investidor-anjo somente poderá resgatar o valor investido depois de decorridos, no mínimo (se o contrato não estabelecer prazo superior), 2 anos do aporte de capital. E o valor resgatado não poderá ultrapassar o valor investido devidamente corrigido. Além disso, existe a possibilidade de transferência de titularidade do aporte realizado pelo investidor-anjo para terceiros, a qual somente poderá ocorrer com a anuência dos sócios da investida (a não ser que o contrato de participação disponha expressamente em contrário).

Por fim, no caso de os sócios optarem pela venda da empresa, o investidor-anjo terá direito de preferência na aquisição desta, assim como direito de venda conjunta da titularidade do aporte de capital, nos mesmos termos e condições que forem ofertados aos sócios regulares.

Embora a lei não preveja a possibilidade de conversão do aporte especial do investidor-anjo em aporte de capital na sociedade investida, também é verdade que não estabelece qualquer vedação para que assim se estipule no contrato de participação. A consequência deste tipo de previsão contratual, no entanto, seria a descaracterização do investimento anjo conforme previsto na Lei Complementar 155. Com isso, se, de um lado, acabaria proteção legal que isenta o investidor anjo de responsabilidade como sócio da investida, de outro, também se removeriam as limitações da lei que estabelecem tetos para retorno financeiro do investimento anjo (remuneração limitada 50% dos lucros da sociedade no período de apuração e resgate limitado ao valor investido acrescido de correção monetária).

6.    Contratação de colaboradores

Os negócios de muitas startups são conduzidos por seus sócios apenas, mas não é o caso de todas – muitas, por exemplo, dependem de programadores terceiros para desenvolver e manter o aplicativo em funcionamento. E em todos os casos a intenção é a de que o negócio ganhe escala, a empresa cresça e ajuda extra seja indispensável. A que título serão esses colaboradores contratados? Genericamente falando, quatro formas de contratação estão disponíveis para startups: (i) sócio, ainda que com participação minoritária, dividindo os riscos dos negócios; (ii) empregado, com contrato de trabalho regido pela CLT; (iii) administrador não empregado, sendo a relação regida pela legislação civil e societária; e (iv) pessoa jurídica, que será prestadora de serviços (desde que tais serviços não coincidam com a atividade-fim da startup).

A resposta sobre a melhor forma de contratação em cada caso dependerá do objetivo do empreendedor com a contratação do colaborador, e os riscos associados a cada um destes tipos de contratação dependerão do quanto o que está no papel realmente se reflete na vida real. 

Os alertas aqui trazidos servem para ilustrar como as questões jurídicas podem influenciar as chances de sucesso da sua startup ou do seu investimento. Esperamos que tenham tido uma boa leitura e desejamos sucesso nesse mundo tão encantador e fundamental para o desenvolvimento do nosso Brasil. 
 

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